terça-feira, 20 de dezembro de 2016

RECEITA PARA A ESPERA DO ANO NOVO

 
                              LENTILHA COM LINGUIÇA PARA A CEIA DE ANO NOVO.
 
 



Vai ano, vem ano e sempre o dia 31 de dezembro é repleto de superstições: comer lentilha, carne de porco, uvas, romãs, pular as sete ondas após a meia-noite, usar roupas brancas ou de cores que remetam à saúde, amor, dinheiro, entre muitas outras ações que fazem parte do ritual de boas-vindas ao novo ciclo que se inicia. Cada item tem um significado diferente. A lentilha, por exemplo, tem como propósito a fartura. Já a carne de porco ganha destaque nos cardápios, pois muitas culturas defendem que, como é um animal que fuça para frente, a vida seguirá o mesmo caminho.
Confira a dica  Sabores do Sul:



Lentilha com Linguiça. Ingredientes:
500g de lentilha
2 colheres (sopa) de azeite
1 cebola
3 dentes de alho
Água quente
250g de Linguiça Blumenau
Pimenta-do-reino
2 folhas de louro
2 batatas médias
2 cenouras médias
Sal a gosto


Modo de preparo:
Separe a lentilha e coloque-a de molho na água quente até inchar. Em fogo médio, aqueça o azeite e doure a cebola e o alho na panela de pressão. Adicione a Linguiça Blumenau picada em rodelas e refogue. Acrescente a lentilha juntamente com a água de molho. Coloque o sal a gosto, a pimenta-do-reino e as folhas de louro. Adicione também a batata e a cenoura, picadas em cubo. Cozinhe na pressão de 15 a 20 minutos, ou até que a lentilha esteja cozida.

 

CONTOS GAÚCHESCOS


O GRINGO DAS LINGUIÇAS.

Bom é o dito: viver, não custa, saber viver é que são elas!... Estrangeiro é que é gente mestraça para saber arranjar a vida, de um nada faz muito e quando um de nós mal se precata vê o tal homezinho embandeirado, cheio de boas patacas e ... sempre chorando pitangas... Conheci muito - quase na estrada do Caverá - um gringo ruivo, torto, de cabelo à escovinha, chamado Domenico, o qual tinha um boliche mui arrebentado, localizado ao lado de cá do Passo do Mutuca, sobre um galho do Ibicuí da Armada. O lugar do arranchamento parece que foi escolhido a dedo: era trânsito obrigado de carreteiros, tropas, cargueiros e quaisquer andantes. E todos, de comitiva ou escoteiro, antes ou depois de varar o passo, faziam a parada certa no Domenico, que tinha boas sombras, boa aguada e bom potreiro. O gringo era sabido ... A venda só tinha uns garrafões de canha, rapaduras, queijo e alguns surrões de ótima erva-mate; já de matreiro o dono não supria a casa - pelo menos à vista - porque tinha receio de algum saque se mostrasse fartura nas prateleiras... sim, que araganos por aqueles pagos era cisco! O que fazia a especialidade do Domenico era o amargo, e acima do amargo a comida: era só lingüiça com ovos. Só, só, só: mas era uma senhora comida! Quem chegasse - a que hora fosse - se pedia de comer, lá vinha a lingüiça com ovos... E apesar de que o diabo cobrava-se a lo largo, o cobre não aparecia; entrava aos punhados - balastracas, bolivianos e até onças! - porém ele chorava sempre, que mal "guadanhava" para sustentar os filhos, que eram uma ratatulha. Por uma causa desconhecida, porém infalível, aquela redondeza era também a cancha certa da cachorrada gaudéria. Em toda esta minha longa vida, nem antes nem depois, nunca vi tanto cachorro chimarrão! Creio porém que seria o cheiro das fritadas que atraía aquele bicharedo: era como uma isca cheirosa que voava no vento e entrava pelas bibocas e restingas chamando os chimarrões... Todo o vizindário queixava-se de que a cachorrada baguala comia-lhe ovelhas, terneiros, potrilhos, vacas magras e até a criação do terreiro; todos se lastimavam dos prejuízos... O Domenico, não. Uma ocasião, por motivo de grandes chuvas, fiquei ilhado no Domenico; quando melhorou o tempo e dispunha-me a seguir viagem, fui atacado de violenta nevralgia, que por uns quantos dias trouxe-me de canto chorado... Ora, quando, a poder de folhas de mamono aquecidas com sebo de carneiro, melhorei o meu tanto e resolvi marchar na manhã seguinte, justamente nessa noite foi a casa do Domenico assaltada por uma pandilha de ladrões. E por mal dos pecados, estávamos sós; de homens: eu e ele. O gringo era passado nestas cousas... vi logo que não era esse o primeiro mondongo que ele pelava... Não se acobardou com o perigo; ao contrário, reforçou as trancas das portas, fechou toda a família num quarto do centro da casa, pôs as roncadeiras, de dois canos, e a munição, em cima do balcão, empinou um trago gordo, convidou-me para ajudá-lo e apagou todas as luzes. Eu nem se pergunta - já se vê, estava pronto; amartilhei as minhas pistolas e desembainhei os meus facões. Os assaltantes, do lado de fora, junto à janela, cochichavam; de repente fizeram um alarido e meteram ombros à porta, forçando-a. Nós, quietos. O Domenico soprou ao meu ouvido: - La casa é di pau a pique, barreata... Compreendi logo o partido a tirar e comecei a defesa, enérgica. Tiro sobre tiro na parede que dava para o terreiro, e que era a do assalto. Como as pistolas eram especiais, de dupla carga em cada cano, cada tiro, cada bala, varava a parede como se esta fosse manteiga! E, tiro dado, bandido no chão! O gringo fazia como eu; por fim já quase não podíamos respirar, de cerrado que tudo estava de fumaça. Com o cheiro da pólvora começamos a espirrar, e aproveitei logo esse recurso, espirrando e fazendo o Domenico espirrar, em tons diferentes e em pontos diferentes...; e vá tiro! Com essa hábil manobra sucedeu o que eu previa: os bandidos julgaram que havia muitos defensores entrincheirados dentro da casa - pudera! tanto espirro e tanto tiro! - e rasparam-se, carregando os mortos e feridos, que deviam ser muitos, pelos meus cálculos. Suspendemos o tiroteio; tranqüilamente acendi um cigarro no cano da pistola, que estava em brasa. E como não havia mais perigo urgente, resolvemos deixar o exame do local do combate para de manhã. Acendemos a candeia e resfrescamos as armas. O gringo apertou-me a mão, calorosamente agradecido, e declarou-me, a queima-roupa. - Dopo mafiana voi no mangerete piü linguice in questa casa mia... E foi soltar a sua gente. Julguei que com o susto o coitado estivesse variando. Deitei-me e dormi até sol alto. Apenas desperto lembrei-me do assalto noturno e saltei do catre para ir ver os estragos que houvesse. O terreiro apresentava enormes manchas de sangue, além de pequenos regatos onde ele estava empoçado, coalhado, e espalhados pelo chão (que o Domenico deixara para eu ver - e que os bandidos perderam por ter sido a noite muito escura) encontramos uns quantos dedos de mão, vários pedaços de nariz e de orelhas, três retalhos de bochechas, alguns bocados de miolos arrebentados e chamuscados pelas buchas, uma tampinha de joelho, um pé inteiro, atorado pelo tornozelo, ainda calçado com o pé da bota e a espora, e muitos outros vestígios da carnificina que haviamos feito, aliás sem esperar aquele montão de avarias. Enterramos aquela pedaçaria pondo-lhe uma cruz ao lado! Fomos almoçar. Tive então, e clara, a explicação da frase do Domenico, na véspera: não havia lingüiça à mesa! Galinha ensopada, uma paleta de ovelha, assada, e canjica de milho branco. Era uma novidade completa! Verdade que eu não estava almoçando na mesa do boliche e sim na da família do gringo. Ele, então, abriu-se: - Voi, qui, non mangerete piú linguiza. Vi diró perché e solo a voi, per gratitudine!. E disse-o, assim, que eu repito em língua de gente, por não obrigar ninguém a traduzir: - "Signor" Romualdo, já reparou como comem os diversos animais? - Não, Domenico! - Repare, "Signor", e curioso e instrutivo, O gato, come devagar, esparramando a comida, escolhendo, catando, jeitosamente pegando, largando o pedaço; o porco, atola o focinho no cocho, mastiga tudo, misturando, batendo a queixada, babando-se, roncando; o boi, deita de lado a língua, para apanhar o pasto; o cavalo, corta-o, delicadamente; a galinha vai de ponta de bico; o urubu, a bico e unhas, estraçalhando... mas o cachorro! o cachorro! ... come esganado, sôfrego, às bocadas, tudo inteiro, sem mastigar! Parece que em vez de meter a comida dentro de si, parece que ele é que se quer meter pela comida adentro. "É vero, Signor?" - Sim, Domenico, é assim mesmo! Ebbene! Aqui os vizinhos todos lastimam-se por causa do cachorro chimarrão; eu, não, ao contrário: gosto! Poupo muito trabalho, "Signor" Romualdo. É com eles que faço as lingüiças para os andantes.., mas deles, não é a carne que eu quero, "Signor", são as tripas. Dellcate, fine, mervegliose!" É assim: O cheiro das fritadas atrai muito os cachorros baguais; vai então, por isso, lá dentro do galpão penduro um pedaço de lingüiça frita de bom tamanho, e bem alto, para eles não lhe chegarem. Vem o primeiro farejando, outro e mais outro vem; enfim dezenas de cachorros vão chegando, apenas no ar o cheiro da fritura anda voando! ... Quando o galpão está cheio, fecho a porta e começo a laçar os cachorros e ponho-os todos na corrente, cada um no seu palanque, lá detrás da horta. Comida, nada; água, sim, à vontade. Assim, durante uma semana os vou limpando perfeitamente; aquelas tripas ficam que nem resma têm, mais... perfeitissimamente limpas. Nas vésperas de um precisar, só então começo a dar água com sal, uma salmourita leve, para manter o apetite... Enquanto isso, mato os porcos, as ovelhas, ou as vaquilhonas, conforme a conta, isto é, conforme os cachorros que tenho em compostura, isto é, conforme a quantidade de varas de tripa que calculo em cada um, conforme o respectivo tamanho: Bem, carneio as reses, pico toda a carne, tempero-a e deixo ficar uns dias, para tomar gosto, cada porção separada para cada cachorro, conforme o tamanho, na competente gamela. A tudo isso, nos bichos, salmourita fraca! No dia marcado para a fabricação, vou levando as gamelas e pondo em frente de cada chimarrão. "Per la madonna! Signor Romualdo!" aquilo é em dois tempos!... Uhn! ... uhn! ... uhn! ... e zás! come, que comer inhact! inhact! ... às bocadas, aos punhados, ao montões, sofregamente, esganadamente, inteiro, sem respirar, às goladas, sem provar nem mastigar nada! É uma cachoeira pra dentro! Mal o chimarrão acaba de engolir e pega a lamber a gamela, então aproveito a ocasião... Mato o cachorro! abro-o, amarro as duas pontas - o principio e o fim - da tripa... e pronto, tenho uma lingüiça bem-feita, grossa, parelha, e que me não deu trabalho nenhum para encher... Depois é pôr na vara a orear e ir cortando os pedaços para fritar, conforme o número de gente a servir, e pra bonito, enfeitar sempre com ovos estrelados por cima. É "meraviglia!" ........................................................... Tive, a modo, uns engulhos, e tratei de montar a cavalo. Aquele gringo ... aquele gringo era das Arábias!...

 ATAQUES DE MARIMBONDOS.

Certa ocasião tinha eu ido caçar uns tatus-rosqueira. Lindo dia: céu azul, sol a pino, nem nuvens, nem ventos, aragem branda. Havia já sangrado uns quantos tatus e agora divertia-me a ver os restantes, cujas caudas eu destorcera, ocupados em atarraxarem-se novamente. Estava, pois, mui quieto, moita, ativo apenas de olhos... Eis quando, adiante, vejo alguma cousa estranha: uma como nuvem escura, que subia e descia, alongava-se, adelgaçava-se, adensava-se... Pé ante pé, fui me aproximando. Houve então um confuso zumbimento irritado, forte, e, com extraordinária surpresa, verifiquei que era um colossal enxame de marimbondos! Camoatins dos de barriga riscada, uns de grande ferrão, os mais ferozes que conheço. E, deitado no chão, tranqüilamente dormindo, um homem. Sujeito gordo, claro, muito ruivo. Contra o meu hábito, fiquei embaraçado para tomar uma decisão. Acordar o homem? Sim... mas no ele mover-se, aquele perigoso exército de camoatins caia-lhe em cima e deixava o infeliz como um crivo, a poder de ferroadas! Deixá-lo dormir? Mas, e depois? ... A massa dos marimbondos crescia cada vez mais. O camoatim - a casa - que se via num galho da árvore que abrigava o ruivo, não podia comportar, era pequeníssima para tantos habitantes como os que revoavam por sobre o dorminhoco. Reparei então que toda aquela massa escura e movediça dividia-se em lotes, que se não misturavam nem confundiam... Naturalmente o povo camoatim ameaçado passou aviso aos vizinhos mais de perto e cada um mandou um destacamento para reforçar a defesa comum. Mas por que não atacavam eles? Por que não caíam sobre o homem, quando se sabe que camoatim não observa cerimônias para travar e ferrão em quem quer que seja?... Ao contrário, parecia que eles hesitavam, consultavam-se... Nisto apareceu uma outra nuvem de marimbondos, dos amarelos ... Xi Deus! Era mangangás, estes, os temíveis mangangás amarelos, cuja picada dói... dói.., dói desde a véspera até o dia seguinte! Compreendi, então: os camoatins, habituados só com a nossa gente - morena e de cabelos pretos - estranhavam e desconheciam aquele claro e ruivo. Temeram talvez que fosse algum mangangá colossal, e para certificarem-se chamaram aquele piquete de amarelos. Os mangangás, para começar o exame, puseram-se a passear sobre a cara do adormecido; fizeram-lhe cócegas no nariz: ele soprou-lhes; mexeram-lhe nas barbas: ele abanou-os com mão incerta... Eu estava pasmo, apreciando a inteligência daqueles insetos ... quando o pau a que achava-me encostado estalou ... faltando-me o apoio quase cai.., e as ramas, violentamente sacudidas, bateram nos marimbondos... Camoatins e mangangás viram-me, conheceram que eu era patrício - pela cor e pelos cabelos - e caíram-me em cima como uma chuva batida do vento! Nessa emergência, com o sangue frio que nunca me abandona, corri para a fogueira que havia feito, e onde, por boa sorte, na ocasião, fervia a água que eu trouxera, para chimarrão. Agarrei a chaleira, destampei-a, meti dentro a bomba do mate, e chupando grandes goles de água fervente, tornava logo a expeli-los, pela própria bombinha, com força, em forma de chuveiro regador; assim arranjei uma verdadeira defesa de água quente contra aquele horrível ataque. Esta manobra deu-me uma ligeira folga, que aproveitei soprando o fogo até puxar labareda e atirando-lhe em cima umas braçadas de gravetos e ramas, que logo incendiaram-se, produzindo uma fumaçada espessa. Era tempo... Quando o bicharedo voltou à carga, já topou com a parede de fumaça. Então apanhei mais umas ervas secas, prendi-lhes fogo e corri em socorro do homem ruivo, que dormia ainda. Acordei-o a gritos e vim-no trazendo são e salvo, dentro da fumaça, cercados ambos por urna muralha viva de camoatins e mangangás enfurecidos... E entre o fatigante trabalho de arranjar faxina para manter a fumaceira, que seria a nossa garantia única contra os ferrões daqueles marimbondos, suando em bica, espinhados, com fome e com sede, fui explicando ao companheiro o perigo a que ele escapara, graças a mim, e de que não me escapei eu, graças a ele... O alemão - era alemão, o ruivo - agradecia comovido. Labutamos toda a tarde; ao escurecer, foi abrandando o ataque, e por fim só noite fechada conseguimos retirar. Pensei então em levantar os tatus que havia morto e ao mesmo tempo tomar o meu casaco e poncho-pala, que havia estendido ali perto, nuns galhos. Caso esquisito!... Os tatus mortos, uns quinze, mal lhe toquei, desfizeram-se por completo... estavam reduzidos a farelos, de tantas ferroadas que levaram; o pala e o casaco, esses, então (periga, mas é verdade o alemão viu tão bem como eu!) o casaco e o pala, ia pegá-los e eles desfaziam-se; tocava-lhes, eles esfarinhavam-se; sacudi o galho, desfizeram-se em pedacinhos, como um bolinho de polvilho; como cinza! ... Atinei, então. Os marimbondos, não podendo ferretoar-me e ao alemão, por causa da fumaça, em vingança estragaram a caça e a roupa. O alemão, esse, estava apavorado! - "Pichiches prapes, hein, Romualte! .. dizia ele.

CONTOS GAÚCHESCOS

João Simões Lopes - É gaucho da cidade de Pelotas, tendo nascido em 1865 e falecido em 1916. A exceção dos poucos anos em que estudou medicina no Rio de Janeiro, jamais saiu do Rio Grande do Sul, tendo dedicado toda a sua atividade intelectual ao estudo da gente de sua terra natal, à recolha de seu populario, à recriação literario de sua lendas e à fixação de seus tipos, paisagens e almas. Foi, pois, um escritor regional. Ainda não está situado no lugar que merece, nas nossas letras, como grande escritor que é, em virtude da pouca publicidade dada até agora às suas obras. Mas tal há de ser considerado quando for mais conhecido, porque assim o exigem o valor poetico das "Lendas do Sul", por ele recolhidas e recriadas, e a verdade humana de algumas figuras de seus "Contos Gauchescos", dentre as quais se destaca esta do "Contrabandista".
CONTRABANDISTA:


Batia nos noventa anos, o corpo magro mas sempre teso do Jango Jorge, um que foi capitão duma maloca de contrabandistas que fez cancha nos banhados do Ibiroçaí.
Esse gaucho desabotinado levou a existencia inteira a cruzar os campos de fronteira, à luz do sol, no desmaiado de lua, na escuridão das noites, na cerração das madrugadas... Ainda que chovesse reinos acorelhados ou que ventasse como por alma de padre, nunca errou vau, nunca perdeu atalho, nunca desandou cruzada.
Conhecia as querencias pelo faro: aqui era o cheiro do açouta-cavalo florescido, lá o dos trevais, o das guabirobas rasteiras, do capim-limão pelo ouvido: aqui cancha de grachains, lá os pastos que ensurdecem ou estalam no casco do cavalo; adiante, o chape-chape, noutro o areião. Até pelo gosto ele dizia a parada, porque sabia onde estavam aguas salobras e aguas leves, com sabor de barro ou sabendo a limo.
Tinha vindo das guerras do outro tempo: foi um dos que pelearam na batalha de Ituzaingo; foi do esquadrão do general José de Abreu. E sempre que falava no Anjo da Vitoria ainda tirava o chapéu, uma braçada larga, como se cumprimentasse alguem de muito respeito, numa distancia muito longe.
Foi sempre um gaucho quebralhão e despilchado sempre, por ser muito de mãos abertas.
Se numa mesa de primeira ganhava uma ponchada de balas-traçadas, reunida a gurizada da casa, fazia - pi! pi! pi! pi! - como pra galinhas e semeava as moedas, ruindo-se do formigueiro que a miuçalha formava, catando as pratas no terreiro.
Gostava de sentar um laçaço num cachorro, mas desses laçaços de apanhar da paleta à verilha, e puxando a valer, tanto, que o bicho que o tomava, ficando entupido de dor e lambendo-se, depois de disparar um pouco é que gritava num - caim! caim! caim! - de desespero.
Outras vezes dava-lhe para armar uma jantaria e, sobre o fim do festo, quando já estava tudo meio entropigaitado, puxava por uma pinta da toalha e lá vinha, de tirão seco, toda a traquinada dos pratos e copos e garrafas e retos de comidas e caidas de doces!
Depois garganteava a chuspa e largava as onças pras unhas do bolicheiro, que aproveitava o vento e le echaba cuentas de gran capitan...
Era um pagodista!
Aqui ha poucos anos - coitado! - pousei no arranchamento dele. Casado ou doutro jeito estava afamiliado. Não nos viamos desde muito tempo.
A dona da casa era uma mulher mocetona ainda, bem parecida e mui prazenteira: de filhos, uns três matalotes já emplumados e uma mocinha - pro caso, uma moça - que era - Santo-Antoninho-onde-te-porei! - daquela gente toda.
E era mesmo uma formosura: e prendada, mui habilidosa; tinha andado na escola e sabia botar os vestidos esquisitos das cidadãs da vila.
E noiva, casadeira, já era.
E deu o caso, que quando eu pousei, foi justo pelas vesperas do casamento, estavam esperando o noivo e o resto do enxoval dela.
O noivo chegou no outro dia: grande alegria. Começaram os aprontamentos e como me convidaram com gosto, fiquei pro festo.
O Jango Jorge saiu na madrugada seguinte, para ir buscar o tal enxoval da filha.
Aonde, não sei; parecia-me que aquilo devia ser feito em casa, à moda antiga mas, como cada um manda no que é seu...
Fiquei verdeando, à espera, e fui dando um ajutorio na matança dos leitores e no tiramento dos essados com couro.
Nesta terra do Rio Grande sempre se contrabandeou, desde antes da tomada das Missões.
Naqueles tempos o que se fazia era sem malicia, e mais por divertir e acoquinar as guardas do inimigo: uma partida de guascas montava a cavalo, entrava na Banda Oriental e arrebanhava uma ponta grande de eguariços, abanava o poncho e vinha à meia rede; apartava-se a portada e largava-se o resto; os de lá faziam conosco a mesma coisa; depois era com gados, que se tocava a trote e galope, abandonando os assoleados.
Isto se fazia por despique dos espanhóis e eles se pagavam desquitando-se do mesmo jeito.
Só se cuidava de negacear as guardas do Cerro Largo, em Santa Tecla, do Haedo. O mais era varzea!
Depois veio a guerra das Missões; o governo começou a dar sesmarias e uns quantíssimos pesados foram-se arranchando por essas campanhas desertas. E cada um tinha que ser um rei pequeno... e aguentar-se com as balas, as lunares e os chifarotes que tinha em casa!
Foi o tempo do manda quem pode! E foi o tempo que o gaucho, o seu cavalo e o seu facão sozinhos, conquistaram e defenderam estes pagos!
Quem governava aqui o continente era um chefe que se chamava o capitão-general; ele dava as semarias mas não garantia o pelego dos sesmeiros...
Vancê tome tenencia e vá vendo como as coisas, por si mesmas, se explicam.
Naquela era, a polvora era do el-rei nosso senhor e só por sua licença é que algum particular graudo poderia ter em casa um polvarim...
Tambem só na vila de Porto Alegre é que havia baralhos de jogar, que eram feitos só na fabrica do rei nosso senhor, e havia fiscal, sim senhor, das cartas de jogar e ninguem podia comprar senão dessas!
Por esses tempos antigos tambem o tal rei nosso senhor mandou botar pra fora os ourives da vila do Rio Grande e acabar com os lavrantes e prendistas dos outros lugares desta terra, só pra dar fluxo aos reinóis...
Agora imagine vancê se a gente lá de dentro podia andar com tantas etiquetas e pedindo louvado, pra se defender, pra se divertir e pra luxar!... O tal rei nosso senhor não se enxergava, mesmo!
E logo com quem! Com a gauchada!
Vai então, os estancieiros iam em pessoa ou mandavam ao outro lado, nos espanhóis, buscar polvora e balas, pras pederneiras, cartas de jogo e prendas de ouro pras mulheres e preparos de prata pros arreios... e ninguem pagava dizimos dessas coisas.
As vezes, lá voava pelos ares um cargueiro, com cangalhas e tudo, numa explosão da polvora; doutras, uma partida de milicianos saía de atravessado e tomava conta de tudo, a couce d'arma; isto foi ensinando a escaramuçar com os golas de couro.
Nesse serviço foram-se aficionando alguns gauchos: recebiam as encomendas e pra aproveitar a monção e não ir com os cargueiros debalde, levavam baeta, que vinha do reino e fumo em corda, que vinha da Baía, e algum porrão de canha. E faziam trocas, de elas por elas, quase.
Os paisanos das duas terras brigavam, mas os mercadores sempre se entendiam.
Isto veio mais ou menos assim até à guerra dos Farrapos; depois vieram as californias do Chico Pedro; depois a guerra do Rosas.
Aí inundou-se a fronteira da provincia de espanhóis e gringos emigrados.
A coisa então mudou de figura. A estrangeirada era mitrada, na regra, e foi quem ensinou a gente de cá a mergulhar e ficar de cabeça enxuta... Entrou nos homens e sedução de ganhar barato; basta ser campeiro e destorcido. Depois, andava-se empandilhado, bem armado; podia-se às vezes dar um vareio nos milicos, ajustar contas com algum devedor de desaforos, aporrear algum subdelegado abelhudo...
Não se lidava com papéis nem contas de coisas; era só levantar os volumes, encangalhar, tocar e entregar!
Quanta gauchagem leviana aparecia, encostava-se.
Rompeu a guerra do Paraguai.
O dinheiro do Brasil ficou muito caro; uma onça de ouro. Que corria por trinta e dois, chegou a valer quarenta e seis mil réis! Imagine o que a estrangeirada bolou nas contas!
Começou-se a cargueirar de um tudo; panos aguas de cheiro, armas, miniganchas, remedios, o diabo a quatro!... Era só pedir por boca!
Apareceram tambem os mascates de campanha com baús escangalhados e canastras, que passavam pra lá vazios e voltavam cheios, desovar aqui...
Policia pouca, fronteira aberta, direitos de levar couro e cabelo e nas coletorias umas papeladas cheias de benzeduras e rabioscas...
Ora!... ora!... Passar bem, paisano!... A semente grelou e está a arvore ramalhuda, que vencê sabe, do contrabando de hoje.
O Jango Jorge foi maioral nesses estrupicios. Desde moço, até à hora da morte, eu vi.
Como disse, na madrugada, vespera do casamento, o Jango Jorge saiu par ir buscar o enxoval da filha.
Passou o dia; passou a noite.
No outro dia, que era o do casamento, até de tarde, nada.
Havia na casa uma gentama convidada; da vila, vizinhos, os padrinhos, autoridades, moçada. Havia de se dançar três dias!... Corria o amargo e cozinhos de licor de butiá.
Toncavam cordeonas no fogão, violas na ramada, uma caixa de musica na sala.
Quase ao entrar do sol a mesa estava posta, vergando ao peso dos pratos enfeitados.
A dona da casa, por certo traquejada nessas bolandinas do marido, estava sossegada , ao menos ao parecer.
Às vezes mandava um dos filhos ver se o pai aparecia na volta da estrada, encoberta por uma restinga fechada de arvoredo.
Surgiu dum quatro o noivo, todo no trinque, de colarinho duro e casaco de rabo. Houve caçoadas, diterios, elogios.
Só faltava a noiva; mas essa não podia aparecer, por falta do seu vestido branco, dos seus sapatos brancos, do seu véu branco, das suas flores de laranjeira, que o país fora buscar e ainda não trouxera.
As moças riam-se; as senhoras velhas cochichavam.
Entardeceu.
Nisto correu voz que a noiva estava chorando; fizemos uma algazarra e ela - tão boazinha! - veio à porta do quarto, bem penteada, ainda num vestidinho de chita de andar em casa, e pôs-se a rir pra nós, pra mostrar que estava contente.
A rir, sim, rindo na boca, mas tambem a chorar lagrimas grandes, que relevam devagar dos olhos pestanudos...
E rindo e chorando estava sem sabem por que... sem saber por que, rindo e chorando, quando alguem gritou do terreiro:
- Aí vem o Jango Jorge, com mais gente!
Foi um vozeiro geral a moça porem ficou, como estava, no quadro da porta, rindo e chorando cada vez menos sem saber por que... pois o pai estava chegando e o seu vestido branco, o seu véu, as suas flores de noiva...
Era já lusco-fusco. Pegaram a acender as luzes.
E nesse mesmo tempo parava no terreiro a comitiva; mas num silencio, tudo.
E o mesmo silencio foi fechando todas as bocas e abrindo todos os olhos.
Então vimos os da comitiva descerem de um cavalo o corpo entregue de um homem, ainda de pala enfiado...
Ninguem perguntou nada, ninguem informou de nada; todos entenderam tudo... que a festa estava acabada e a tristeza começada...
Levou-se o corpo pra sala da mesa, para o sofá enfeitado, que ia ser o trono dos noivos. Então um dos chegados disse:
— A guarda nos deu em cima... tomou os cargueiros... E mataram o capitão, porque ele avançou sozinho pra mula ponteira e suspendeu um pacote que vinha solto... e ainda o amarrou no corpo... Aí foi que o crivaram de balas... parado... Os ordinarios! Tivemos que brigar, pra tomar o corpo!
A sia dona mãe da noiva levantou o balandrau de Jango Jorge e desamarrou o embrulho, e abriu-o.
Era o vestido branco da filha, os sapatos brancos, o seu véu branco, as flores de laranjeiras ...
Tudo numa plastada de sangue... tudo manchado de vermelho, toda a alvura daquelas coisas bonitas como que bordada de colorado, num padrão esquisito, de feitios estrambolicos... com flores de cardo solferim esmagadas a casco de bagual!
Então rompeu o choro na casa toda.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

FELIZ NATAL E UM BAITA 2017



Tchê,
numa dessas
tardes em que
o sol tava se indo
embora, e eu no meu
matear solito, comecei a pensar.
Estamos botando mais uma marca
na existência da vida. Então decidi que
deveria mandar uma tropilha de palavras
pra ti, assim, poderia dividir com meus amigos,
esses devaneios de saudades desse tempo que já se
foi, pois já estamos no fim dessa etapa chamada de 2016.
Nisso me lembrei dessa tal de INTERNETCHE, achei que
seria fácil, era só camperiar por alguns SITES e já de pronto
acharia o que estava por campear. Me deparei com muita coisa da
buena, mas nada daquilo que eu queria te dizer, pois descobri que não
havia ali as palavras puras que minha xucra alma sente para falar contigo.
Por isso vivente te digo, com esse meu jeitão rude, que fiz tudo que pude.
Pra te dizer o que minha alma sente,  queria ter te encontrado todos os dias,
ter te dito, buenos dias, buenas tarde, buenas noite e tudo mais, mas, talvez
nos vimos tão depressa, no  afazer das nossas tarefas, que nem isso aconteceu,
pois o ano recém nasceu, e já está para acabar. Mas peço ao Tropeiro do Universo, sim,
Ele que tudo pode, que nos traga sentimentos nobres, de amor e amizade. Que tenhas lembranças boas, por tudo que te aconteceu. Que o Menino que nesta data nasceu, nos ilumine todos os dias. Que renasça a alegria, para quem a perdeu. Que se acaso não te aconteceu, tudo aquilo que queria, que não percas a alegria, o entusiasmo e a coragem, a vida é uma viagem, mas é nós que escolhemos
o caminho.
Espere mais
um pouquinho,
e tudo vai
acontecer.
Um novo ano
vai nascer,
deposite
nele tua
esperança,
 quem espera
 sempre alcança,
  diz o velho ditado.
Então, te desejo parceiro, amigo junto com tua gente, um Novo Ano maravilhoso, de conquistas, alegrias, saúde, muiiiiiita saúde, paz e realizações.
Mas para que tudo aconteça, antes, se agarre na proteção do céu, 
pois assim a cada ano, será feliz o teu viver, e em cada amanhecer,
Será como um NOVO ANO !!!Feliz Natal!!!
E um baaaaaaaita 2017, TRI feliz!!! do Blog EU SOU DO SUL.

GAÚCHO



 O Gaúcho é uma denominação dada às pessoas ligadas à atividade pecuária em regiões de ocorrência de campos naturais do vale do rio da Prata e do Rio Grande do Sul, notavelmente no bioma denominado pampa. As peculiares características do seu modo de vida pastoril teriam forjado uma cultura própria, derivada do amálgama da cultura ibérica e indígena, adaptada ao trabalho executado nas propriedades denominadas estâncias. É assim conhecido no Brasil, enquanto que em países de língua espanhola, como Argentina e Uruguai é chamado de gaucho (acento tônico no "a", diverso do português, cujo acento tônico é no "u").
O termo também é correntemente usado como gentílico para denominar os nascidos no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Além disso, serve para denominar um tipo folclórico e um conjunto de tradições codificadas e difundidas por um movimento cultural agrupado em agremiações, criadas com esse fim e conhecidas como Centro de Tradições Gaúchas ou CTG.

Origem

 
Um estudo genético realizado pela FAPESP revelou que os gaúchos brasileiros dos pampas são descendentes de uma mistura de europeus e de índios, mas com algumas peculiaridades. O estudo apontou que os ancestrais europeus dos gaúchos seriam principalmente espanhóis, e não portugueses, como é mais comum em outras partes do Brasil.[1] Isso porque a região dos pampas foi, por muito tempo, disputada entre Portugal e Espanha e só foi transferida da Espanha para Portugal em 1750. O estudo também revelou um alto grau de ancestralidade indígena nos gaúchos pelo lado materno (52% de linhagens ameríndias), maior do que a dos brasileiros em geral. O estudo também detectou 11% de linhagens africanas pelo lado materno. Dessa forma, os gaúchos da Campanha são fruto sobretudo da miscigenação entre homens ibéricos com mulheres indígenas e, em menor medida, com africanas.[2]
A região dos pampas não sofreu influência das significativas imigrações açoriana, alemã e italiana que marcaram a paisagem étnica de outras regiões do Rio Grande do Sul.[3] O antropólogo Darcy Ribeiro escreveu que os gaúchos dos pampas "surgem da transfiguração étnica das populações mestiças de varões espanhóis e lusitanos com mulheres guarani".[4] Em decorrência da miscigenação étnica, o português falado na região dos pampas absorveu muitas expressões espanholas, indígenas e algumas africanas. [5]

Etimologia

O termo originou-se na região conhecida como Banda Oriental, um território correspondente ao que são o Uruguai e o Rio Grande do Sul atuais, encontrada pela primeira vez escrita num documento oficial da administração espanhola em 1771, numa comunicação do comandante de Maldonado, Dom Pablo Carbonell ao virrey Juan José Vértiz: "Muy señor mío; haviendo noticia quie algunos gahuchos se havian dejado ver a la Sierra mande a los tenientes de Milicias Dn Jph Picolomini y Dn Clemente Puebla, pasasen a dicha Sierra con una Partida de 34 hombres..." Em 1780, em um documento de Montevidéu "que el expresado Díaz no consentirá en dicha estancia que se abriguen ningunos contrabandistas, bagamundos u ociosos que aqui se conocen por Gauchos." (8 de agosto de 1780). Guanches ou Guanchos gentílico dos habitantes das ilhas Canárias na fundação de Montevidéu. Gaúcho foi o Guancho fugido de Montevidéu. Quando o Rei da Espanha mandou casais de agricultores das ilhas Canárias povoarem a recém-fundada Montevidéu, eles transplantaram a palavra pela qual identificavam os habitantes autóctones das ilhas: guanches, ou guanchos. Foi esta a origem da palavra gaúcho, com pequena distorção de pronúncia: guanches ou guanchos.
Existem várias teorias conflitantes sobre a origem do termo "gaúcho". O vocábulo pode ter derivado do quíchua (idioma ameríndio andino) ou de árabe "chaucho" (um tipo de chicote para controlar manadas de animais). Além disso, abundam hipóteses sobre o assunto. Um registro de seu uso se deu por volta de 1816, durante a independência da Argentina, com o qual se denominavam os índios nômades de pele escura, os gaúchos ou "charruas" (daí o chá - chimarrão, infusão de erva-mate verde seca e moída, tomada com água quente em cuia de cabaça ou porongo, sorvida por uma bomba de bambu ou metal), cavaleiros que domavam e cavalgavam "em pelo" os animais selvagens desgarrados das estâncias espanholas, que procriavam nos pampas argentinos.[carece de fontes?]
Segundo Barbosa Lessa, em seu livro Rodeio dos Ventos, publicado pela Editora Mercado Aberto, 2a edição, o primeiro registro da palavra se deu em 1787, quando o matemático português Dr. José de Saldanha participava da comissão demarcadora de limites Brasil-Uruguai. Em uma nota de rodapé do seu relatório de trabalho, o luso teria anotado a expressão usada pelos da terra para referir-se àqueles índios cavaleiros.

História

 
Guanches ou Guanchos gentílico dos habitantes das ilhas Canárias na fundação de Montevidéu. Gaúcho foi o Guancho fugido de Montevidéu. Quando o Rei da Espanha mandou casais de agricultores das ilhas Canárias povoarem a recém-fundada Montevidéu (1724), eles transplantaram a palavra pela qual identificavam os habitantes autóctones das ilhas: guanches, ou guanchos. Foi esta a origem da palavra gaúcho, com pequena distorção de pronúncia: guanches ou guanchos. Próximo ao rio Cebollatí no Uruguai, foi formada uma espécie de republiqueta fortificada gaúcha de contrabandistas canários como uma forma de defesa das tropas de Portugal e Espanha.
Em Rocha e toda a área da lagoa Mirim e Bagé (agora no Brasil), onde os gaúchos são nascidos. Os gaúchos (fugidos) da fronteira Portugal - Espanha não eram guanchos, eles eram gaúchos descrição de pessoas de hábitos nômades, ciganos, moradores em barracas ou tendas, brancos pobres, de miscigenação moura, vinda da Espanha - fugidos que viraram índios ou índios aculturados pelas Missões que não possuíam terras e vendiam sua força de trabalho a criadores de gado nas regiões de ocorrência de campos naturais do vale da lagoa Mirim, entre os quais o pampa, planície do vale do rio da Prata e com pequena ocorrência no oeste do estado do Rio Grande do Sul, limitada, a oeste, pela cordilheira dos Andes.
O gentílico "gaúcho" foi aplicado aos habitantes da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul na época do Império Brasileiro, por motivos políticos, para identificá-los como beligerantes até o final da Guerra dos Farrapos, sendo adotado posteriormente pelos próprios habitantes por ocasião da pacificação de Caxias, quando incorporou muitos soldados gaúchos ao Exército ao final do Confronto, sendo Manuel Luís Osório um gaúcho que participou da Guerra do Paraguai e é patrono da arma de Cavalaria do Exército Brasileiro, quando valores culturais tomaram outro significado patriótico, os cavaleiros mouros se notabilizaram na Guerra ou Confronto com o Paraguai. Também importante para adoção dessa cultura viva para representação do estado do Rio Grande do Sul é a influência do nativismo argentino, que no final do século XIX expressa a construção de uma das maiores culturas se não a maior do Brasil.
Na Argentina, o poema épico Martín Fierro, de José Hernández escrita em Santana do Livramento no RS. A pátria gaúcha onde ele aprende a palavra gaúcha do uruguaio Lussich (livro deo Treis Gaúchos Orientales - 1872) e dos próprios rio-grandenses, exemplifica a utilização do elemento gaúcho como o símbolo da tradição nacional da Argentina, uruguaia e brasileira em contradição com a opressão simbolizada pela europeização. Martín Fierro, o herói do poema, é um "gaúcho" recrutado a força pelo exército argentino, abandona seu posto e se torna um fugitivo caçado.
Os gaúchos apreciam mostrar-se como grandes cavaleiros e o cavalo do gaúcho, especialmente o cavalo crioulo, "era tudo o que ele possuía neste mundo". Durante as guerras do século XIX, que ocorreram na região, atualmente conhecida como Cone Sul, as cavalarias de todos os países eram compostas quase que inteiramente por bravos cavaleiros gaúchos.

Música

 
Existem vários ritmos que fazem parte da folclore riograndense, mas a maioria deles são variações de danças de salão centro-europeias populares no século XIX. Esses ritmos, derivados da valsa, do xote, da polca e da mazurca, foram adaptados para vaneira, vaneirão, chamamé, milonga, rancheira, xote, polonaise e chimarrita, entre outras.
O único ritmo riograndense é o bugio, criado pelo gaiteiro Wenceslau da Silva Gomes, o Neneca Gomes, em 1928, na região de São Francisco de Assis. Inspirado no ronco dos bugios, macacos que habitam as matas do Sul da América, o ritmo foi banido por algum tempo por ser considerado obsceno, mas em tempos atuais é mantido em todo o estado, onde hoje se realiza um festival "nativista" conhecido como "O Ronco do Bugio".
A partir de 1970, com a criação da Califórnia da Canção Nativa em Uruguaiana, começaram a surgir os festivais, que serviram de incentivo para músicos e compositores lançarem novos estilos, popularmente chamados de "música nativista". Essa música é formada por ritmos pré-existentes, especialmente a milonga e o chamamé, porém com canções mais elaboradas e com letras dedicadas especialmente ao estado do Rio Grande do Sul e ao estado de Santa Catarina, como em letras de Teixeirinha com a música "Santa Catarina", Elton Saldanha com as músicas "Herdeiro do Contestado" e "Linda Terra Santa Catarina", João Luiz Correia com a música "Bailando com as Galegas" e o grupo Musical Terceira Dimensão com a música "Vou pra Santa catarina".

Vestimenta ou indumentária

 
Os gaúchos usam roupas de origem indígena (poncho, lenço , pala, e chiripá), europeia (camisa, chapéu, guaiaca e bota, assim como a indumentária feminina) e túrquica (bombacha), além de outros instrumentos autóctones como o tirador, todas adaptadas ao ambiente pampeano. Uma grande parcela da população gaúcha rural, assim como de cidades de pequeno porte, mantém o uso das vestimentas tradicionais, pois são as mais adaptadas à vida campeira. A bombacha é muito utilizada nas regiões da campanha, da fronteira oeste e dos campos de cima da serra. Nas cidades maiores é possível perceber alguns gaúchos pilchados, sendo estes em sua maioria integrantes de grupos tradicionalistas ou independentistas/separatistas, ou simples mantenedores da cultura passada por seus ancestrais. Os avios do chimarrão (apetrechos usados para a preparação e consumo da erva-mate, na forma tradicional), assim como os utensílios de encilha tradicionais para o cavalo (incluindo as esporas do cavaleiro), juntamente com as vestimentas, perfazem a definição de pilcha em um sentido estrito. O chimarrão é amplamente consumido pelos gaúchos em todas as estações do ano. Nos dias mais frios, não raro, se vê uma variedade chamada "mate doce", onde se usa mel e cascas de bergamota, geralmente, para temperar o mate. Os gaúchos que saem a morar em outros estados do Brasil ou no exterior tendem a realçar seu "gauchismo", como forma de autoidentificação.

Palavras e expressões regionalistas: o falar gaúcho

O modo de falar do Rio Grande do Sul e algumas partes de Santa Catarina e Paraná (especialmente o oeste destes estados), a exemplo do de outras partes do Brasil, possui expressões próprias, diferenciadas da linguagem padrão brasileira. Muitas dessas expressões são compartilhadas pelas populações dos países vizinhos da bacia do rio da Prata - Argentina e Uruguai. É grande a influência do castelhano no sotaque e no léxico gaúchos. Convencionou-se chamar o modo de falar do gaúcho de "dialeto gaúcho", ou "dialeto guasca", na sua nomenclatura tradicional. Muito do falar hodierno do gaúcho deriva de uma antiga língua crioula entre o castelhano e o português, com influência guarani, charrúa e até algumas palavras em língua quéchua (como china e guampa), que é exemplificada no filme Anahy de las Misiones, de 1998. Com a imposição do uso do português, tal como ocorreu com o nheengatu, do Norte brasileiro, esta língua desapareceu. As migrações mais recentes de italianos e alemães deixaram alguma influência em palavras e expressões gaúchas como "cuca" - bolo tradicional, de origem germânica, de Kuchen (bolo em alemão) - e "é vero" ("é verdade", de è vero em italiano). Existem diversos livros e dicionários que colecionam palavras e expressões gaúchas. Recentemente, um projeto chamado Tchepédia, [6] busca reunir estas expressões de forma colaborativa online.
O uso do gentílico "gaúcho" como sinônimo de sul-rio-grandense surgiu após o movimento literário romântico e regionalista de fins do século XIX e início do século XX, quando as raízes dos habitantes locais começaram a ser investigadas e valorizadas. No Uruguai e na Argentina, se usa o termo "gaucho" como sinônimo de trabalhador rural, sendo esta considerada a cultura nacional por excelência em ambos os países. Os estados de Santa Catarina e Paraná, em especial, concentram uma grande quantidade de descendentes recentes de gaúchos, em geral ligados à atividade rural, que procuram mantém as tradições gaúchas através de Centros de Tradições Gaúchas, que mantêm certa influência sobre a cultura de muitos destes lugares. Uma grande quantidade de gaúchos ultimamente tem migrado para a região Sudeste do Brasil.

Na numismática o gaúcho foi representado no anverso e no reverso da cédula de 5 000 cruzeiros reais em 1993,[7] que como um todo fazia unicamente referências à cultura do Rio Grande do Sul: além da gaúcho, mostrava o interior das ruínas da igreja de São Miguel das Missões e a captura do gado, com os acessórios usados pelo gaúcho na lida: boleadeira, relho, guampa e esporas.[8]