" Andar pelo Rio Grande é descobrir em cada rincão que se chega, uma história peculiar, ora contada pelo vento minuano que varre campos, coxilhas e serras, ora contada em proza e verso no folclore de sua gente. Andar pelo Rio Grande é provar o sabor da comida típica feita no fogão a lenha e um churrasco gaúcho junto ao fogo de chão. Sentir o calor humano e hospitaleiro, e o frio do inverno aquecido na roda de chimarrão "
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
ATAQUES DE MARIMBONDOS.
Certa ocasião tinha eu ido caçar uns tatus-rosqueira. Lindo dia: céu azul, sol a pino, nem nuvens, nem ventos, aragem branda. Havia já sangrado uns quantos tatus e agora divertia-me a ver os restantes, cujas caudas eu destorcera, ocupados em atarraxarem-se novamente. Estava, pois, mui quieto, moita, ativo apenas de olhos... Eis quando, adiante, vejo alguma cousa estranha: uma como nuvem escura, que subia e descia, alongava-se, adelgaçava-se, adensava-se... Pé ante pé, fui me aproximando. Houve então um confuso zumbimento irritado, forte, e, com extraordinária surpresa, verifiquei que era um colossal enxame de marimbondos! Camoatins dos de barriga riscada, uns de grande ferrão, os mais ferozes que conheço. E, deitado no chão, tranqüilamente dormindo, um homem. Sujeito gordo, claro, muito ruivo. Contra o meu hábito, fiquei embaraçado para tomar uma decisão. Acordar o homem? Sim... mas no ele mover-se, aquele perigoso exército de camoatins caia-lhe em cima e deixava o infeliz como um crivo, a poder de ferroadas! Deixá-lo dormir? Mas, e depois? ... A massa dos marimbondos crescia cada vez mais. O camoatim - a casa - que se via num galho da árvore que abrigava o ruivo, não podia comportar, era pequeníssima para tantos habitantes como os que revoavam por sobre o dorminhoco. Reparei então que toda aquela massa escura e movediça dividia-se em lotes, que se não misturavam nem confundiam... Naturalmente o povo camoatim ameaçado passou aviso aos vizinhos mais de perto e cada um mandou um destacamento para reforçar a defesa comum. Mas por que não atacavam eles? Por que não caíam sobre o homem, quando se sabe que camoatim não observa cerimônias para travar e ferrão em quem quer que seja?... Ao contrário, parecia que eles hesitavam, consultavam-se... Nisto apareceu uma outra nuvem de marimbondos, dos amarelos ... Xi Deus! Era mangangás, estes, os temíveis mangangás amarelos, cuja picada dói... dói.., dói desde a véspera até o dia seguinte! Compreendi, então: os camoatins, habituados só com a nossa gente - morena e de cabelos pretos - estranhavam e desconheciam aquele claro e ruivo. Temeram talvez que fosse algum mangangá colossal, e para certificarem-se chamaram aquele piquete de amarelos. Os mangangás, para começar o exame, puseram-se a passear sobre a cara do adormecido; fizeram-lhe cócegas no nariz: ele soprou-lhes; mexeram-lhe nas barbas: ele abanou-os com mão incerta... Eu estava pasmo, apreciando a inteligência daqueles insetos ... quando o pau a que achava-me encostado estalou ... faltando-me o apoio quase cai.., e as ramas, violentamente sacudidas, bateram nos marimbondos... Camoatins e mangangás viram-me, conheceram que eu era patrício - pela cor e pelos cabelos - e caíram-me em cima como uma chuva batida do vento! Nessa emergência, com o sangue frio que nunca me abandona, corri para a fogueira que havia feito, e onde, por boa sorte, na ocasião, fervia a água que eu trouxera, para chimarrão. Agarrei a chaleira, destampei-a, meti dentro a bomba do mate, e chupando grandes goles de água fervente, tornava logo a expeli-los, pela própria bombinha, com força, em forma de chuveiro regador; assim arranjei uma verdadeira defesa de água quente contra aquele horrível ataque. Esta manobra deu-me uma ligeira folga, que aproveitei soprando o fogo até puxar labareda e atirando-lhe em cima umas braçadas de gravetos e ramas, que logo incendiaram-se, produzindo uma fumaçada espessa. Era tempo... Quando o bicharedo voltou à carga, já topou com a parede de fumaça. Então apanhei mais umas ervas secas, prendi-lhes fogo e corri em socorro do homem ruivo, que dormia ainda. Acordei-o a gritos e vim-no trazendo são e salvo, dentro da fumaça, cercados ambos por urna muralha viva de camoatins e mangangás enfurecidos... E entre o fatigante trabalho de arranjar faxina para manter a fumaceira, que seria a nossa garantia única contra os ferrões daqueles marimbondos, suando em bica, espinhados, com fome e com sede, fui explicando ao companheiro o perigo a que ele escapara, graças a mim, e de que não me escapei eu, graças a ele... O alemão - era alemão, o ruivo - agradecia comovido. Labutamos toda a tarde; ao escurecer, foi abrandando o ataque, e por fim só noite fechada conseguimos retirar. Pensei então em levantar os tatus que havia morto e ao mesmo tempo tomar o meu casaco e poncho-pala, que havia estendido ali perto, nuns galhos. Caso esquisito!... Os tatus mortos, uns quinze, mal lhe toquei, desfizeram-se por completo... estavam reduzidos a farelos, de tantas ferroadas que levaram; o pala e o casaco, esses, então (periga, mas é verdade o alemão viu tão bem como eu!) o casaco e o pala, ia pegá-los e eles desfaziam-se; tocava-lhes, eles esfarinhavam-se; sacudi o galho, desfizeram-se em pedacinhos, como um bolinho de polvilho; como cinza! ... Atinei, então. Os marimbondos, não podendo ferretoar-me e ao alemão, por causa da fumaça, em vingança estragaram a caça e a roupa. O alemão, esse, estava apavorado! - "Pichiches prapes, hein, Romualte! .. dizia ele.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário