segunda-feira, 23 de junho de 2014

DINHEIRO

SUMIU COM O DINHEIRO  DOS OUTROS
 
- Que lhe parece, compadre, a história do Gabriel, hein?
- É verdade; também dar-se dinheiro a um sujeito extravagante...
- Está assim meio parecida com aquela do Cipriano Silva.
- Qual! aquele não deu prejuízo a ninguém; é verdade que sumiu-se com o dinheiro dos outros; mas comprou gado, arrendou campo, e na primeira safra apareceu, pagou tudo até com juros e arrumou a vida; mas este Gabriel não; este era um gastador conhecido, um perdido, um alarife.
- Dizem que aí pelas imediações do Pau Fincado chegou a uma casa para pedir água e como estavam fazendo pão pediu um, que uma moça lhe deu, e ele em troca deu uma onça de ouro.
- Aí tem; é porque não lhe custaram a ganhar; mas afinal veja o que lhe aconteceu. Chegando ao lugar onde devia apartar os gados para os patrões, intitulou-se tropeiro por sua conta, e, enquanto esperava uns dias, namorou a filha do estancieiro, e já estava para casar, quando senão quando, pela demora e pelas notícias que ele ia deixando, chegou a policia e ali mesmo em presença da noiva foi preso e atado como um Cristo.
  O dinheiro já tinha gastado quase a metade, porque pagodista ele era e bem.
- Que vergonha! e fie-se a gente num sujeito destes, todo aperado e monarca. Como não ficaria a moça...
- Ora, havia de ficar satisfeita, porque se viu livre de um gavião, de um maroto.
Esta conversa tinha lugar pouco mais ou menos no princípio do verão de 1860, na estrada de Piratini: freqüentadissima então por viajantes de todo gênero, mas especialmente por comitivas de tropeiros, que de todos os pontos da campanha, e mesmo do E. Oriental, por ela transitavam a negócio de gados para as charqueadas de Pelotas.
Naquele tempo o tropeiro cercava-se de uma certa aura de probidade ilibada e confiança quase sem limites. Quantias, não em papel como hoje, mas em bom ouro, capazes de proporcionar uma regular fortuna, eram facilitadas a homens que outra cousa não tinham para dar em garantia, senão a sua palavra, e esta era aceita e desempenhada.
Até então raríssimos, senão quase desconhecidos, eram os casos de estelionato ou de abusos de confiança, e se algum se dava era logo falado e comentado por toda parte, até nas estradas, pelos andantes, como acabamos de ver.
A pequena comitiva de que nos ocupamos era composta de quatro pessoas. Seguia a trote curto estrada fora, levando por diante uma tropilha de dez cavalos tordilhos gordos e delgados, os quais seguiam todas as voltas do caminho, como viajeiros traquejados.
O pessoal marchava em fileira, como é costume em nossa terra, aproveitando a circunstância favorável do campo limpo.
Os lugares de direita e esquerda eram ocupados por dois peões que dirigiam a cavalhada. No centro iam os dois cavaleiros que representavam chefe e imediato.
Um deles, moço de seus 28 anos, pelo seu arranjo e trato pessoal, denunciava logo a presença de um estancieiro opulento.
Seu rosto moreno e sério, emoldurado em negra cabeleira e barba recentemente aparada, tinha a expressão de beleza varonil tão apreciada das mulheres e comum dos homens que passam vida ao ar livre.
Sem ser corpulento era, ainda assim, convenientemente musculoso e robusto, sem detrimento de uma certa elegância de porte. O cavalo em que ia trotava asseadamente, mascando o freio com impaciência, de modo que muito antes de aproximar-se, ouvia-se já o ruído dos aperos, que os tinha e dos melhores. O outro, mais velho pelo menos 15 anos do que o seu companheiro, trajava menos corretamente, mas nem por isso desmerecia dele.
Descendente de gaúchos, gaúcho era. Seu cavalo, faceiramente tosado, arqueava arrogante o largo pescoço de onde pendia o maneador bem sovado e parelho, encolhido em forma de trança, servindo de peitoral e na garupa o inseparável poncho emalado.
Amplas bombachas de merinó preto; compridas botas de cano envernizado, de cujos talões pendiam dos cabrestilhos de lonca um par de esporas de ferro azulado. Completava seu trajo exterior uma japona de pano piloto, lenço a tiracolo e chapéu de pêlo muito em moda naquele tempo, com barbicacho atado em forma de tope sobre a orelha. Sua basta barba grisalha flutuava à mercê do vento.
Campeiro caprichoso, não lhe faltava uma guasca, um tento nos arreios. Desde a maneia de couro graneado e do laço fino e bem traçado que trazia em pequenas rodilhas sobre a anca do cavalo, até o rebenque e o ponteado encoberto das rédeas e mais preparos de guasca chata, todos entremeados de corredores e botões, à laia de bombas e maçanetas - tudo era completo, apenas com certo exagero quanto à resistência e solidez destes utensílios.
Tinha fama e sabia como ninguém preparar um ligar e cortar uma carona, que assentava com garbo nos flancos de qualquer animal, por mais sotreta que este fosse.
Nisto era perito, tanto o mais que o melhor alfaiate de hoje em talhar um fraque ou jaleco bem ajustado no corpo de um freguês da moda.
Fora sargento dos dragões e servira nas nossas guerras com os vizinhos uruguaios, ao mando do major Facundo Borba, pai do chefe da comitiva.
Era o compadre Giloca, mas o seu nome próprio era Jerônimo de Quadros, com quem João de Borba se entretinha em conversar sobre as diabruras do Gabriel.
Os outros dois eram o índio velho Chico Pedro, antigo soldado e peão de estância dos Borbas, e o piá Nadico, de 12 anos de idade, que exercia as funções reunidas de carregador de malas e avios de mate do patrão e de cavalheiriço, sob as ordens de Chico Pedro, seu superior e mestre.
Este, com um barbicacho passado pelo nariz e pés metidos em umas botas que não lhe ficavam de medida, usava uma velha farda e por toda gala dos arreios trazia o laço bem caldo sobre os garrões do cavalo, cuja cola atava sempre o mais em cima que podia. Fora domador consumado e boa praça, tendo desempenhado várias comissões como cabo arvorado, por isso toleravam-lhe este luxo de que muitos patrões não gostam.
Chamavam-lhe o cabo velho e era o vaqueano; a sua experiência de 60 e tantos anos, passados em gauchadas e correrias, autorizavam-no a conhecer a palmos, a um lado e outro da fronteira, de noite como de dia, todos os passos, picadas e bibocas.
Habitualmente calado, quando se falava nisto ficava muito ufano e puxando-se por ele começava logo a contar anedotas dos seus bons tempos de moço, principalmente se havia como tomar um trago de que muito gostava. Durante a marcha rompia o silêncio, aproveitando as ocasiões de mostrar-se conhecedor de lugares e ia indicando os nomes dos passos, dos moradores, calculando a jornada, a sesteada, o pouso, etc.
Assim, estendendo o braço, anunciava a um lado: "Venda do Fura-bucho; já andemos duas léguas desde o passo da Maria Gomes; daqui ao Quinca-tatu há ainda três; ainda vamos hoje ao Cruzeto com duas braças de sol".
Quatro dias eram decorridos e a nossa comitiva continuava a sua marcha sem incidente notável.
A estrada das Alegrias tinha já sido batida; a serra do Veleda, a das Asperezas, o Seis-dedos, o Batista do café bom, o Davi torto, tudo já tinha ficado atrás. À esquerda o Serro do Baú, o da Gregória, à direita o dos Porongos, e os últimos contrafortes das serras dos Tapes e do Herval foram-se pouco a pouco abatendo e tornandose como pontos esfumados no horizonte.
 
 
 
 

NO TEMPO DAS CHARQUEADAS


No tempo das charqueadas -  Pelotas, a origem



Sede da Charqueada São João, 1810.

  


Charqueada Santa Rita, 1826.
Isto porque Pelotas, a 250 Km de Porto Alegre, é considerada uma das jóias do patrimônio histórico e arquitetônico do Rio Grande do Sul, consequência do importantíssimo papel que exerceu na colonização do extremo sul do país e, em especial, como capital econômica do Ciclo do Charque.

Um pequeno núcleo de construções remanescentes deste importante período da história gaúcha e do país - as charqueadas - ainda pode ser encontrado a cerca de 6 Km do centro da cidade, sendo uma alternativa imperdível para quem gosta de fugir das costumeiras opções do turismo de massa.

Pois foi com a intenção de mergulhar neste clima que passei um final de semana na zona das charqueadas, lendo, explorando, aprendendo e ensaiando transferir para a fotografia um pouco do espírito dos antigos colonizadores que transformaram campo, banhados e areais na mais rica e opulenta cidade do antigo Continente de São Pedro.


Charqueada Santa Rita. Casa principal.
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Este primeiro,comentários sobre a história da região, uma segunda parte tratando da Charqueada Santa Rita e sua pousada de charme e, a terceira e última, sobre sobre a Charqueada São João, riquíssimo testemunho histórico do ciclo do charque e do desumano sistema escravocrata que por pelo menos dois séculos o sustentou.

                                                           UM POUCO DE HISTÓRIA

Para quem não lembra das lições escolares, o Ciclo Econômico do Charque foi aquele relacionado à instalação e expansão da industria saladeiril na região de Pelotas/RS a partir de 1777, quando uma grande seca afetou o fabrico deste produto no Nordeste brasileiro, até então monopólio da região.

Charqueada. Gravura de Debret.
O charque (desidratado pelo sal) e a carne seca (desidratada pelo sol) eram os principais alimentos da mão-de-obra escrava e, em uma época em que não existiam enlatados e frigoríficos, também o método mais utilizado para conservação da carne.

A fartura do gado chucro, solto no pampa gaúcho em decorrência do trágico desmantelamento das Missões Guaranis e da expulsão dos padres jesuítas, aliada à seca no Nordeste, propiciou o cenário ideal para a instalação das primeiras charqueadas à beira do Arroio Pelotas. Segundo parte dos historiadores o primeiro empreendimento teria sido iniciativa do português José Pinto Martins, em 1779 e, segundo outros, do estancieiro João Cardoso Silva.


A produção do charque era sazonal, com preferência para os meses mais quentes e secos, entre novembro e abril, a fim de propiciar a melhor desidratação da carne.

A mão-de-obra era essencialmente escrava e as condições de trabalho nos saladeiros extrema, o que permitia uma "vida útil" aos cativos de, aproximadamente, 5 a 7 anos. Em média cada charqueada contava com cerca de 80 escravos.

Nos intervalos das safras de charque os escravos podiam ser ocupados com atividades de olaria, construções, derrubada de mato e cultivo de milho, feijão e abóbora nas próprias charqueadas ou em outras chácaras que os seus senhores costumavam manter na Serra dos Tapes.


Detalhe da fachada principal. Charqueada Santa Rita.
Durante este período Pelotas tornou-se a cidade mais rica da Província e um grande pólo cultural, atraindo a atenção da corte no Rio de Janeiro e a distribuição de um razoável número de títulos de nobreza aos grandes proprietários rurais.

Tudo isto, mais o advento dos frigoríficos e das novas tecnologias de conservação da carne, tornaram de todo inviável o já defasado e secular método saladeiril, dando fim definitivo ao mais pujante ciclo econômico da história do sul do Brasil.

                                          O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL

O nome Pelotas, que em espanhol significa "bolas", teve origem nas embarcações de varas de corticeira forradas de couro, usadas para a travessia dos rios na época das charqueadas.

Travessia de curso d´água em uma pelota. Gravura de Debret, 1816-1831

Formalmente elevada à cidade em 1812, a exportação do charque e do couro, principalmente para a América Central e a Europa por intermédio do porto de Rio Grande, trouxe à cidade enorme riqueza e opulência, possibilitando a instalação de uma classe aristocrática e originando um extraordinário patrimônio arquitetônico que em boa parte ainda se preserva.
Armazém de carne seca. Gravura de Debret, 1835.
Conforme dados da Universidade de Pelotas, o poder dos charqueadores pelotenses foi consolidado a partir de 1829, quando o Imperador Dom Pedro I outorgou a um fazendeiro do ramo o primeiro título de nobreza. A partir daí vários outros ascenderam à hierarquia da nobreza brasileira tendo, como pressuposto, o reconhecimento prévio do poder e prestígio daquele que era agraciado com o título.

A influência desta aristocracia pode ser vista ainda hoje em Pelotas, tanto na zona rural mas especialmente na urbana, onde casarões e palacetes disputam espaço com teatros, colégios, hospitais, bancos, hoteis e tantos outros prédios de magnífica concepção arquitetônica.



                                                   AS CHARQUEADAS HOJE

Das mais de 40 charqueadas que funcionaram na região de Pelotas, o que restou de algumas delas ainda pode ser visitado e uma única conta com a opção de hospedagem. Outras se encontram em estado de deterioração ou foram adaptadas para uso moderno, servindo como residência, sítios de lazer ou espaço de eventos.


Charqueada São João.
A mais interessante, e que também serviu de locação para a minissérie "A Casa das Sete Mulheres", é a Charqueada São João (1810), um verdadeiro museu sobre o ciclo do charque e aberta à visitação com serviço de guias. Já a Charqueada Santa Rita (1826) é a única a oferecer serviço de hospedagem, classificada como pousada de charme.

  Estas duas, além de abertas à visitação, são também habitadas pelos atuais proprietários.

Outras, como a Charqueada Boa Vista  (1811), foram adaptadas para locações e basicamente preserva o casco externo, motivo pelo qual deixei para visitá-las em uma outra ocasião.

O núcleo histórico das charqueadas está situado a apenas 6 Km desde o centro de Pelotas, com sinalização bastante visível e asfalto na quase totalidade do caminho.


Charqueada São João.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

CLASSIFICATÓRIA ABCCC - URUGUAIANA

                    
                      Uruguaiana vai ter disputa acirrada em seletiva ao Freio de Ouro
 
 
 


                         

 
Será na Fronteira Oeste a sétima classificatória ao Freio de Ouro de 2014. Uruguaiana, a cidade que concentra o maior percentual de animais da raça Crioula no Rio Grande do Sul, vai sediar uma seletiva que promete uma disputa acirrada pelas oito vagas na grande final marcada para o final de agosto em Esteio/RS. A prova será realizada no Parque Agrícola e Pastoril do município.
Uruguaiana tem atualmente, segundo dados da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC), 31.771 animais, o que representa 10,45% da manada gaúcha. Para o jurado Francisco Kessler Fleck, que será responsável pelo julgamento junto com Gustavo Weiand e Rouget Gigena Wrege, o município é o celeiro de grandes nomes da raça. "Além da quntidade temos uma qualidade muito satisfatória na região. Temos criadores tradicionais e de alto nível que devem estar na competição", afirma.
O vice-presidente Técnico da ABCCC, Mário Móglia Suñe, acredita que esta será uma das grandes classificatórias do ciclo. "Teremos um expressivo número de participantes. A região abrange um grande número de criadores e também podemos considerar que a uniformidade do gado disponível para as provas deve refletir na pista", avalia.
 A promoção é de ABCCC e Canal Rural.
 
                                       Confira a programação
 
6 de junho            
9h - Concentração de Machos
9h - Término da entrada dos animais -  Classificatória
10h - Inicio exame de admissão - Classificatória
12h - Término exame de admissão - Classificatória
13h30min - Julgamento Morfológico Classificatória - Fêmeas
15h30min - Julgamento Morfológico Classificatória - Machos
 
7 de junho            
8h - Andaduras/Figura/VSP-Esbarradas - Fêmeas/Machos
13h30min - Prova de Mangueira - Fêmeas/Machos
15h30min - Prova de Campo - Fêmeas/Machos
21h - Remate Cavalo Crioulo
 
8 de junho            
9h - Fase Final (Mangueira/Bayard-Sarmento/Prova Campo)
12h - Encerramento e entrega de Prêmios 
 

FRONTEIRA GAÚCHA

                                                            FRONTEIRA.

Na Fronteira, o visitante encontra o verdadeiro gaúcho pelas ruas das cidades. 
Ali se preservam as tradições gaúchas no dia-a-dia das estâncias, nos rodeios e nas festas campeiras.
 Por ser uma região de fronteira, possui uma história rica, pois em seus campos aconteceram muitas revoluções e guerras das quais resultou o atual mapa do Rio Grande do Sul.
Nessa região o Pampa gaúcho, com suas coxilhas, onde os campos podem ser vistos até onde a vista alcança.
A culinária gaúcha com o carreteiro e a carne ovina, com seus doces, como a ambrosia e os doces em calda, os prédios históricos, os locais das batalhas, a lida com os animais, a ordenha e todas as atividades típicas das estâncias são alguns dos atrativos da região além, é claro, da hospitalidade e do chimarrão que não podem faltar.

 Há, também, o artesanato em lã, couro, madeira e cerâmica. com temática gaúcha.
Lá, tem-se a oportunidade de assistir  às gineteadas, os tiros de laço e todas as provas campeiras que demonstram a interação e forte ligação do gaúcho e seu cavalo.




LIDA CAMPEIRA

 LIDA CAMPEIRA  GAÚCHA
 
As imagens  retratam a yerra  (lê-se "jerra") ou marcação, uma prática de pecuária muito comum, sobretudo no âmbito da cultura gaúcha (ou seja, do Rio Grande do Sul, da Argentina e do Uruguai).
Não é crueldade. É necessário. 
Gato é gato, vaca é vaca... Animais de estimação não devem ser confundidos com rebanhos inteiros que servem pra nos alimentar.
"As pressões dos vizinhos criaram no gaúcho o espírito de disciplina, o respeito à autoridade e fizeram dos corajosos peões verdadeiros soldados.

Os fazendeiros fundaram seu prestígio na ocupação das planícies e no valor militar demonstrado nas coxilhas. E as estâncias tiveram uma função civilizadora, na formação da alma gaúcha, com a criação de uma legenda guerreira e um profundo amor às tradições que persiste até nossos dias.
A lida do campo é dura, mas é nela que muitas virtudes viris são cultivadas, muitas das quais fazem falta em nossa sociedade emasculada.
A verdadeira contra-revolução e recristianização de nossa sociedade passa pela formação de autênticos GAÙCHOS, e a lida campeira é uma escola de formação de bons Gaúcho e homens que cultivão a tradição.
 Amochar, carnear, casquear, esquilar, capar, marcar, laçar, tocar o gado etc, ensinam muito ao homem.