OS CRIOULOS EM BAGÉ – 1941.
O Arquivo Histórico reproduz nesta edição artigo de autoria do engenheiro agrônomo Roberto C. Dowdall, publicado nos anais da Associação dos Criadores de Cavalos Crioulos, número 20, de abril de 1942.
Na “Rainha da Fronteira”, sugestiva denominação com que é conhecida a simpática e pitoresca cidade de Bagé, durante os dias 12 e 15 de outubro de 1941, a Associação dos Criadores de Cavalos Crioulos, do Rio Grande do Sul, realizou com o êxito e o brilho de sempre, a sua 7ª Exposição de Eqüinos Crioulos, anexa à 28ª Exposição Internacional de Reprodutores Rústicos”, organizadas pela Associação Rural de Bagé.
Por gentil convite da entidade organizadora, coube-me a elevada honra de atuar como jurado da raça Crioula, podendo, assim, avaliar pessoalmente o que já conhecia por referências: a importância da obra realizada pelos criadores daquele Estado, sua tradicional cordialidade, seu entusiasmo, sua dedicação e sua incontestável competência.
Formam os criadores rio-grandenses, universitários grande parte deles, um número de homens, jovens e velhos, alegres, cordiais, entusiastas, profundos conhecedores do campo e de suas necessidades, gaúchos em uma palavra, que realizam uma obra magnífica, de verdadeiro e são nacionalismo, traduzida no impulso e no progresso alcançado pela pecuária daquele Estado, e para cujo aperfeiçoamento, apoiados pelo governo, os criadores não diminuem esforços, pese a luta contínua e às vezes desalentadora que devem manter até vencer a aspereza do meio ambiente em que se desenvolvem.
Perdurará em mim a grata recordação desses homens e o agradecimento pelas atenções que recebi de todos eles, dos senhores diretores de ambas as Associações e dos que não posso deixar de mencionar, especialmente, pois foram os meus quase inseparáveis companheiros nesses dias, os meus colegas, engenheiros agrônomos Dirceu Pires Terres e Amoacy Mendonça Detroyat.
Os Crioulos exibidos em Bagé, constituíram, sem lugar a dúvidas, um testemunho eloqüente desse entusiasmo dos criadores e da boa orientação da obra empreendida. A prêmio, ou à exibição somente, 12 criadores concorreram com 20 produtos de indiscutível qualidade, não só típicos e harmônicos, senão, também, o que é mais interessante ainda pela importância que tem para o futuro da raça, todos eles mansos de montaria e bem adestrados.
Para os que temos lamentado, em Palermo, o excesso de preparação com que costumam apresentar muitos dos Crioulos e sua falta de adestramento como cavalos de sela, a de Bagé foi uma exibição reconfortante e uma lição digna de ser imitada por todos os criadores argentinos.
Bem cuidados, como para que a sua apresentação na exposição não desmerecesse, mas luzindo só o estado normal de cavalos de trabalho, bem carnudos, porém não gordos, os exemplares que desfilaram nas pistas de Bagé não só podiam ser montados e exercitados em qualquer momento, como em realidade o foram, e quase todos eles por seus próprios criadores. Estes, que não limitam seu entusiasmo simplesmente à criação de um bom animal de exposição, senão que são também capazes de montá-lo e “trabalhá-lo” nas fainas campeiras, mostravam seu legítimo orgulho de criadores e ginetes, luzindo sua galhardia e a boa rédea de seus fletes, nas amplas pistas gramadas da exposição, ou durante a vistosa apresentação do concurso de rédea.
nossas respectivas criações, riscando fronteiras para afiançar, de forma indescritível, o princípio de uma só raça Crioula nesta parte da América.
Modos e significados de atar a cola do cavalo
Leônidas de Assis Brasil (Dedicado ao eng.º agr.º Roberto C. Dowdall).
Artigo publicado nos Anais da ACCC n º 13 – julho 1942
O gaúcho riograndense tem o hábito e lhe causa gosto especial – como que fascinação – de “andar de cola atada”, como ele mesmo diz na gíria campeira. Ele imagina, mentalmente, que cada modo cause um dado efeito nesse imemorial hábito simbólico do peão de estância, no Rio Grande do Sul, onde o próprio autor deste ensaio vagou campo fora em ocasiões por espaços de dias, há mais de 50 anos, desde que “me conheci por gente” pastoreado gados, “aquerenciado” ou reunido a tourada de 4 e 5 anos, ás vezes “bagual”, para castrála após o clássico adelgaço.
Esses touros, verdadeiras feras, sem costeio algum, eram postos em lugar plano, sem sanga, circundados por quinze, vinte ou mais gaúchos, os quais entravam de um a um no rodeio para enlaçar o seu escolhido ou tira-lo campo fora.
Montando em cavalos Crioulos que regulam de 1m,42, porque se escolhia o reprodutor baixo, comprido e de boa periferia – todos traziam atada a cola de seu corcel, o que o campeiro muito considerava, dizendo textualmente: “Meu cavalo é como um pensamento”, expressão até hoje usada por tradição e com orgulho.
Como se vê em linhas gerais, a cola atada embora não trazendo vantagem maior para o serviço, era mais um hábito e, especialmente, um ornamento, como pode ser o tirador, o lenço ao pescoço, ou extensivamente, no homem o anel, e na mulher, a pulseira e a própria pintura nos lábios, cuja frivolidade as mulheres de toda a esféra social adotam e está como epidemia – se é que pode ser considerada doença.
O uso do tirador, entretanto, tem função de utilidade, principalmente o de feito de antigo – regulando 2 palmos de largura por 3 e meio de comprimento, ou seja retangular. O material usado era um couro de terneiro, bem sovado, ou de animais selvagens, – guarachaim (sorro), gato palheiro, jaguatirica, capivara, etc. Mas, o mais apreciado, cara terístico e de muita duração, é o tirador de couro de lontra. A utilidade deste ornamento, usado por cima do chiripá, sobre a cintura, destina-se a passar o laçar ou pialar um animal.
Atualmente os tiradores são enormes couros curtidos, demasiadamente compridos e incomodos, prejudicando a agilidade do gaúcho, qualidade inerente ao homem de campo. Em paralelo a essa lamentável deturpação de nossos hábitos gaúchos, outros se têm introduzidos por mal entendimento: – A bombacha de uso do verdadeiro campeiro era estreita e não o exagero incomodo que a mocidade usa hoje por baixo do enorme tirador, que tolhe os movimentos e não tem significado prático algum. E note-se que, com muito poucas exceções, o homem de campo que usa esses exageros é sempre um péssimo campeiro ; não sabe carnear uma rês, é um mau laçador, não é identificado com o seu cavalo e descura das árduas funções das lides do campo, que exigem o homem simples e observador, moderado e vivo, sóbrio e de bom humor – sem a mínima preocupação do que usa e do que veste: são costumes hereditários alheios a sua percepção.
Atar a cola do redomão (cavalo de mais de três galopes) é usado para tirar as cócegas do mesmo. Usa-se, também, em tempo de grande chuvas, para passar em pântanos, evitando embarrar a cola.
‘Mais do que, porém, a estultícia da pintura dos lábios ou o beiço furado da selvagem, ou ainda o talho no rosto do negro africano, – a cola atada, em suas diversas modalidades – tem para o gaúcho um significado especial e tradicional.
O cavalo com a cola atada – por uma impressão nervosa que se comunicará ao sistema muscular e a todo o aparelho locomotor, – fica como mais ágil sentindo esse efeito.
Os 10 principais modos em voga atualmente para atar a cola são conhecidos por:
1 – Bailado
2 – Negro Velho
3 – Nó de Capataz (Para arrocinar cavalo)
4 – Passeio em carreira
5 – Corneta ( Essencialmente para corrida de cavalhadas, festas tradicional dos cidadão rio-grandense)
6 – Moço bonito (Para ver a noiva)
7 – Seguranças (Atado ao cavalo do amo, pelo seu peão ou capanga)
8 – Uruguaio (Usado no Rio G. do Sul mais para passeio)
9 – segurança
10 – Nó ligeiro(Para recolhidas ou apartes de rodeio)
Como os gaúchos tosam seus cavalos.
Solicitado por um amigo, procurei reunir nestas linhas, destinadas aos “Anais” da prestigiosa Associação dos Criadores de Cavalos Crioulos, o pouco que conheço sobre as diversas maneiras de tosar cavalos, em uso entre os gaúchos do Rio Grande.
Desconhecendo, em absoluto, a existência de qualquer trabalho ou literatura sobre o assunto, tratei de expor o que tenho visto e feito em quase vinte anos de vida de estância, nos municípios de Rosário, Livramento e Alegrete. Como verão os leitores dos “Anais”, trata-se de simples conhecimento pessoal, limitado a pequena região da vasta campanha Rio-Grandense.
Outros criadores mais campeiros e que melhor conheçam os hábitos do gaúcho, poderão dar à revista da A. C. C. C. mais completas indicações, servindo-a melhor em seu desejo de reunir e publicar tudo o que se refere, aos usos e tradicionais costumes dos nossos gaúchos.
Fig. 1 – Não é verdadeiramente um tôso. Devemos porém mencioná-lo por ser o primeiro que leva o bagual ao ser domado. Os gaúchos ao pegarem o pôtro para doma, conservam-lhe toda a crina, crescida pelos anos de potrilho, e a qual continua respeitada pela tesoura enquanto o animal é “de rédea”. Ao receber o freio, tosanino pela primeira vez. O cavalo inicia, portanto, sua vida de serviço com toda a crina, sendo chamado “Quilinudo”, quilina de potro ou bagual; (“Quilinia” é o que se ouve por crina).
Fig. 2 – “Côgotilho” é o tôso mais preferido, e apesar de ser um dos mais simples, é o mais bonito por dar graça ao contorno do pescoço. Nasce entre as orelhas com a altura de 1 cm.; segue elevando-se com harmonia (arco de barril), até ter de 4 a 5 cm de altura no meio do pescoço, e morre no ” péga-mão ” com a altura de 2 cm. Não é habito vir acompanhado da franja ou topete. É usado, geralmente por gaúchos de todas as idades.
Fig. 3 – “Ponta de lança”, é um dos tôsos mais fáceis. Não leva topete. Começa entre as orelhas com altura de 1 ou 2 cm., continua em crescimento leve até ao “pega-mão”, onde termina com uns 4 ou 5 cm. de altura. É pouco usado nos cavalos de montaria; encontra-se com mais freqüência em animais de carroça ou de andar de peães de estância. Para muitos este toso não dá graça alguma ao cavalo; até mesmo o faz representar mais feio de pescoço. Outros há que bastante o apreciam, usando.
Fig. 4 – “Meio-tôso”, é feito com a repartição da crina de ponta a ponta; uma parte é tosada a côgotilho, e a outra deixa-se calda em toda a sua extensão, bem comprida e sem sinal de tesoura, ou então aparada à meia taboa do pescoço. Leva franja. É usado em cavalo de andar de mulher. É tôso bastante bonito e dá certa graça à cabeça do animal, principalmente quando esta é chimbé.
Fig. 5 – “Quilina aparada”, conserva-se todo o cabelo da crina, que é somente aparado reto a meia altura da táboa do pescoço. Pode ser só de um lado ou de ambos, conforme a quantidade de crina do animal. Leva franja. Tôso preferido para, petiços de andar de crianças, e faz com que o animal represente ser menor. Também se vêm cavalos assim tosados, geralmente são de andar de pessoas velhas ou então cavalos de carro.
Fig. 6 – Não tem nome próprio. É o tôso cogôtilho com um negalho ou mecha de cabelo de 15 a 20 cm de comprimento, com uns 6 cm de largura na base da mecha. Leva franja. É freqüente ter um “passarinho” logo atrás das orelhas. Usado em cavalos recém enfrenados, quando os ginetes são solteiros e bem gaúchos.
Fig. 7 – “Tôso de passarinho”, feito a côgotilho, sendo enfeitado com “passarinhos”. Estes, são feitos a critério e gosto do tosador.
Fig. 8 – “Baianio”, de origem militar, ou de fora do Estado, é tido entre os gaúchos como sinal de pouco gosto ou de não saber tosar. É cortado baixo, acompanhando todo o pescoço com a mesma altura de 1 ou 2 cm. Nada de topete.
Fig. 9 – “Meia quilina”, leva franja, começa como o tôso de côgatilho e vai até o meio do pescoço; daí em diante fica a crina inteira e caída ao longo da táboa do pescoço. Esta modalidade é usada às vezes por domadores em baguais de rédea. Facilita o uso do buçal entre as orelhas e o resto da crina fica para tirar as cócegas do pingo.
Fig. 10 – “Tôso de égua de manada”, usado em égua de cria e em cavalos velhos fora de serviço, dos quais se aproveita o cabelo para vender. É tosado rente ao couro, desde a cabeça até às cruzes (cernelha).
Fig. 11 – Vê-se neste desenho um tôso de passarinho, o pága-mão e o topete ou franja. Pega-mão é o nome dado à parte final da crina. Fica sobre as cruzes. Todo e qualquer tôso leva o pega-mão. Serve de auxílio ao pular em pelo no cavalo, sendo agarrado pela mão esquerda ao formar o salto para o lombo. A franja ou topete varia conforme o tôso ou gosto do tosador; usada somente para bonito, .não é muito frequente.
Fig. 12 e 13 – Estas figuras, mostram que os passarinhos não abrangem toda a crina na largura; são feitos no meio da mesma. A crina varia de 6 a 2 cm de largura, conforme o cavalo seja Crioulo ou mestiço Inglês. Em cavalo Crioulo, o passarinho tem 1 ou 2 cm de largura no máxima, com 4 cm de altura. Nos mestiços será feito na largura de toda a crina, isto é 2 cm. Já não é tão bonito e nem bem ao gosto Crioulo. Finalizo esta pequena: descrição fazendo ‘votos para que outros criadores dêem aos “Anais” mais. detalhes sobre a arte de tosar os pingos na campanha sul rio-grandense.
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