No tempo das charqueadas - Pelotas, a origem
Sede da Charqueada São João, 1810. |
Charqueada Santa Rita, 1826. |
Um pequeno núcleo de construções remanescentes deste importante período da história gaúcha e do país - as charqueadas - ainda pode ser encontrado a cerca de 6 Km do centro da cidade, sendo uma alternativa imperdível para quem gosta de fugir das costumeiras opções do turismo de massa.
Pois foi com a intenção de mergulhar neste clima que passei um final de semana na zona das charqueadas, lendo, explorando, aprendendo e ensaiando transferir para a fotografia um pouco do espírito dos antigos colonizadores que transformaram campo, banhados e areais na mais rica e opulenta cidade do antigo Continente de São Pedro.
Charqueada Santa Rita. Casa principal. |
Este primeiro,comentários sobre a história da região, uma segunda parte tratando da Charqueada Santa Rita e sua pousada de charme e, a terceira e última, sobre sobre a Charqueada São João, riquíssimo testemunho histórico do ciclo do charque e do desumano sistema escravocrata que por pelo menos dois séculos o sustentou.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Para quem não lembra das lições escolares, o Ciclo Econômico do Charque foi aquele relacionado à instalação e expansão da industria saladeiril na região de Pelotas/RS a partir de 1777, quando uma grande seca afetou o fabrico deste produto no Nordeste brasileiro, até então monopólio da região.
Charqueada. Gravura de Debret. |
A fartura do gado chucro, solto no pampa gaúcho em decorrência do trágico desmantelamento das Missões Guaranis e da expulsão dos padres jesuítas, aliada à seca no Nordeste, propiciou o cenário ideal para a instalação das primeiras charqueadas à beira do Arroio Pelotas. Segundo parte dos historiadores o primeiro empreendimento teria sido iniciativa do português José Pinto Martins, em 1779 e, segundo outros, do estancieiro João Cardoso Silva.
A mão-de-obra era essencialmente escrava e as condições de trabalho nos saladeiros extrema, o que permitia uma "vida útil" aos cativos de, aproximadamente, 5 a 7 anos. Em média cada charqueada contava com cerca de 80 escravos.
Nos intervalos das safras de charque os escravos podiam ser ocupados com atividades de olaria, construções, derrubada de mato e cultivo de milho, feijão e abóbora nas próprias charqueadas ou em outras chácaras que os seus senhores costumavam manter na Serra dos Tapes.
Detalhe da fachada principal. Charqueada Santa Rita. |
Durante este período Pelotas tornou-se a cidade mais rica da Província e um grande pólo cultural, atraindo a atenção da corte no Rio de Janeiro e a distribuição de um razoável número de títulos de nobreza aos grandes proprietários rurais.
Tudo isto, mais o advento dos frigoríficos e das novas tecnologias de conservação da carne, tornaram de todo inviável o já defasado e secular método saladeiril, dando fim definitivo ao mais pujante ciclo econômico da história do sul do Brasil.
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL
O nome Pelotas, que em espanhol significa "bolas", teve origem nas embarcações de varas de corticeira forradas de couro, usadas para a travessia dos rios na época das charqueadas.
Travessia de curso d´água em uma pelota. Gravura de Debret, 1816-1831 |
Formalmente elevada à cidade em 1812, a exportação do charque e do couro, principalmente para a América Central e a Europa por intermédio do porto de Rio Grande, trouxe à cidade enorme riqueza e opulência, possibilitando a instalação de uma classe aristocrática e originando um extraordinário patrimônio arquitetônico que em boa parte ainda se preserva.
Armazém de carne seca. Gravura de Debret, 1835. |
A influência desta aristocracia pode ser vista ainda hoje em Pelotas, tanto na zona rural mas especialmente na urbana, onde casarões e palacetes disputam espaço com teatros, colégios, hospitais, bancos, hoteis e tantos outros prédios de magnífica concepção arquitetônica.
AS CHARQUEADAS HOJE
Das mais de 40 charqueadas que funcionaram na região de Pelotas, o que restou de algumas delas ainda pode ser visitado e uma única conta com a opção de hospedagem. Outras se encontram em estado de deterioração ou foram adaptadas para uso moderno, servindo como residência, sítios de lazer ou espaço de eventos.
Charqueada São João. |
Estas duas, além de abertas à visitação, são também habitadas pelos atuais proprietários.
Outras, como a Charqueada Boa Vista (1811), foram adaptadas para locações e basicamente preserva o casco externo, motivo pelo qual deixei para visitá-las em uma outra ocasião.
O núcleo histórico das charqueadas está situado a apenas 6 Km desde o centro de Pelotas, com sinalização bastante visível e asfalto na quase totalidade do caminho.
Charqueada São João. |
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