sábado, 10 de agosto de 2013

JÔAO FURTUOSO

Outra do João Furtuoso,esse não toma jeito.

ANTÔNIO BALTA ligou sua velha e boa Rural Willys e pisou firme em direção à faixa. Fora buscar sua tia Nair (irmã de sua mãe), que pelo programa de rádio A Hora das Comunicações avisara-o da visita: “Atenção, atenção sobrinho Antônio Balta, sua tia Nair pede para buscá-la terça-feira, no ônibus das dez, no lugar de costume. Não se atrase”.

Tia Nair era uma pessoa extremamente metódica, para não dizer maniática, o que já lhe causara encrencas com familiares e empregados. Quando estavam “por aqui”, “pelas tampas” com a velha senhora – exauridos da paciência e estressados da convivência – inventavam-lhe um passeio à casa de algum parente, que isso lhe faria bem.
 
João Furtuoso na lida de campo.


Por uma simples mania, ela jamais viajava no banco da frente de qualquer carro. E no banco traseiro só admitia a presença de seu cachorrinho Bolô, mantido por severa vigilância higiênica e de comportamento – sem latidos intempestivos, nem atividades fisiológicas fora do horário preestabelecido.

Antônio Balta sempre gostou de música gaúcha, às vezes arranhava o violão e espichava a voz numa imitação de Leonardo, de Telmo de Lima Freitas, de João Chagas Leite... Mas para tia Nair isso era um desrespeito à memória do falecido Henrique Dias, morto há pelo menos 20 anos, em razão de um grave problema nas tripas, embora os parentes mais próximos zombassem de que, na verdade, ele não teve foi estômago para aguentar a esposa.

Chegaram à Estância do Minuano perto do meio-dia, quando Dona Elcira já havia mandado arrumar a mesa. Antônio Balta cevou o mate na sua cuia de borda prateada, sentou-se na cadeira de balanço, sorveu lentamente o primeiro chimarrão, encheu a cuia e passou à tia Nair que, sem licença alguma, fez deste um mate-doce refugado de imediato pelos demais. Depois do farto almoço, a sesta para Tia Nair não era só sagrada como também abençoada, mas no colchão de palha que não trocava por nenhuma tecnologia revolucionária. Nessa hora, incomodava-a qualquer ruído de talheres e pratos ou de vassoura roçando tábuas.

Conta-se que João Furtuoso chegara atrasado para o almoço, pois o banho do gado lhe roubara mais tempo. E batendo as esporas, adentrou (barbaridade!) perguntando “onde está a jararaca da tia Nair?”. Mas pra que foi, vivente! A velhusca saltou da cama com os olhos esbugalhados de raiva, o dedo indicador furando o ar, uma espuma preta escorrendo pelo canto da boca e um desfile de palavrões que assustaram até os cachorros que ruíam ossos e as galinhas que ciscavam no terreiro. Em pouco tempo juntou mais gente que em enterro de parente rico, enquanto Antônio Balta, sem paciência alguma, já carregava a mala da incômoda visita em direção à velha Rural, embora a relutância de Dona Elcira, que achava aquilo tudo uma desfeita com um parente.

– Credo, homidideus, que tiazinha azeda essa, hein?! – sussurou dessa vez Furtuoso, apalpando a aba do chapéu de barbicacho e pedindo desculpas ao patrão Antônio Balta, que sorrateiramente lhe piscou um olho num sinal de total aprovação pelo êxito do plano urdido na noite anterior.

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