Uma partida de brasileiros atravessa as verdejantes campinas do Rio Grande do Sul. Impulsionados pela necessidade de braços para as lavouras, buscam o índio. Hão de avassalar as tribos ocupantes daquela região. Com esta disposição, viajam bem municiados e armados. Os índios Minuano, avisados pelas sentinelas, da aproximação dos brancos, montam em seus fogosos cavalos e, armados de flechas e boleadeiras e lanças, deixam seu acampamento e rumam para as coxilhas. Ao avistar os brasileiros se aproximando, os índios usam de sua tática de ocultar-se ao longo de dorso dos cavalos. Destarte, dificilmente saíram descobertos pelos inimigos. Imóveis, esperam eles o momento azado para atirar-se sobre os viajantes. Os brasileiros não são conhecedores dos hábitos e da tática empregada pelos índios habitantes das campinas do Sul. E avistando à distância o bando de cavalos pastando, tomam essa direção, muito senhores de si. Assim, ao se aproximarem os brasileiros, os índios despencam-se nos seus animais do cimo das coxilhas, em galopada, investindo contra os brancos com furiosas saraivadas de flechas. Respondem estes com tiros de armas de fogo. Nova investida dos índios, agora servindo-se das lanças, obriga os invasores a fugir em desordem. Caído por terra acha-se um moço ferido; a seu lado, uma jovem índia minuana. Fascinara-a a coragem do estrangeiro. O brasileiro sabe da sorte que o espera. E, interrogando a moça quando será sacrificado, responde-lhe esta que nada tema, pois estará a seu lado. Anima-o com palavras confortadoras, cheias de simpatia e compaixão pela sorte do estrangeiro. O prisioneiro é levado para o acampamento dos Minuanos. Enquanto esperam que se cure da ferida para sacrificá-lo, lhe dão toda a liberdade sob a vigilância das sentinelas. O jovem branco resolve fazer uma viola. Uma tarde, à sombra de uma árvore, com a pouca ferramenta de que dispõe, a muito custo vai improvisando um rústico instrumento. Inicialmente aparelha, em forma de espessa tábua, um pau de corticeira. Cava-o, dando-lhe a forma de viola. Coloca uma tampa com abertura circular para dar vibração ao som das cordas. Para colar a tampa, emprega o grude da parasita sombaré, das árvores da serra. E da própria fibra da parasita ele prepara as cordas para o instrumento. A índia já lhe tem muita amizade e está sempre a seu lado nas horas de folga. Enquanto lhe vê trabalhar, canta-lhe suavemente um canto doce e pitoresco da gente minuana. Ainda não passara um alua e já, na grande ocara do acampamento, celebra-se o ritual do sacrifício. Amarrado a um tronco está o prisioneiro. Todos os índios da nação, reunidos em volta dele, dançam e cantam sua morte. De quando em vez passam, de mão em mão, cuias contendo delicioso vinho, fabricado com o mel eiratim. Há um silêncio de morte em todo o acampamento. O chefe minuano ordena que soltem o prisioneiro e tragam-no a sua presença. Fitando o moço bem nos olhos, assim fala o cacique: - que aos teus irmãos sirva de lição esta última derrota. Ou não nos tornem vir a nos incomodar. Os que vierem nestes campos buscar escravos, hão de ser esmagados pelas patas de nossos cavalos. E tu pagarás com a morte a tua audácia e a dos teus! Contudo, o chefe Minuano diz ao condenado que faça o seu último pedido. Surpreende-se o branco com tal gesto. E, dotado de uma inteligência não vulgar, num relance percebe como poderá livrar-se da morte. Sabendo da emotividade e a influência que exerce a música sobre aquelas criaturas, pede que lhe tragam o seu instrumento de cordas. Quer tocar pela última vez; cantar uma balada de sua terra. É a jovem índia quem lhe traz a sua viola, debaixo dos olhares curiosos dos índios. Cheio de fé, o moço pega da viola. Depois de alguns sonoros acordes, entoa uma canção. E o rito bárbaro daquelas fisionomias rudes transforma-se como por encanto. Ouvem-se com enlevo, exclamando a todo instante: - Gaú-che! Gau-che! – a significar gente que canta triste. Sensibilizados pela doce cantiga do condenado á morte, os índios intercedem para que o sacrifício seja revogado. E, assim, o brasileiro fica morando com os Minuanos. Enamorado da jovem índia, casa-se com ela. E dessa bela união, do elemento branco com o indígena, resultou o tipo desse homem extraordinário que se chama gaúcho!
Nota de Barbosa Lessa: a versão gaú – cantar triste, e che – gente, é combatida por vários entendidos em questões linguísticas,que alegam se inexata essa explicação etimológica.
Quanto a Che –expressão gaúcha tão usual na conversação comum, pode significar fulano, pessoa, e aplica-se muitas vezes quando se quer chamar a atenção de um interlocutor, cujo nome próprio se desconhece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário