quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

FRONTEIRA DA PAZ OU LA MÁS HERMANA DE LAS FRONTERAS

FRONTEIRIÇOS.
                                                 MINHA SANTANA DO LIVRAMENTO



Toda fronteira na verdade são duas: uma é a política e a outra é aquela que seus moradores fazem.
A política é traçada nos mapas, seguindo por linhas imaginarias ou por acidentes geográficos que separam paises, estados ou departamentos. É o resultado de lutas, guerras, negociações ou tratados. E na maioria das vezes encerram etnias, costumes, hábitos e linguagens próprias.
A fronteira dos homens não está no mapa e nem é negociada, não se preocupa com limites, idiomas ou etnias. É a vida e as necessidades dos fronteiriços que a definem. E para o fronteiriço não há linhas imaginarias. Há a sua busca de ir e vir para onde mais lhe convier ou precisar ir. Sua casa será onde houver a melhor sombra. A busca de seu alimento será onde for mais fácil, ou melhor, ou mais barato. E sua fronteira se ampliará até onde lhe interessar.
O caso das cidades geminadas de Santana do Livramento e Rivera é particularmente uma prova viva disto. Pessoas e idiomas, casas e comércios, carros e ruas, tudo se mistura e desta mistura resultam características que não são nem dum lado nem do outro. São apenas fronteiriças.
Estas duas cidades foram em suas origens acampamentos militares, criados por interesses políticos que buscavam traçar limites que separassem o Brasil do Uruguai. Porem mais tarde, por vontade dos homens que ali habitaram e que nestas querências se enraizaram, vieram os povoados e depois as estruturas urbanas. E estas se uniram em suas vontades de crescer em harmonia e em suas demandas de vida conjunta. Há quem diga que Jose Hernandez, ao morar exilado por estas terras, aqui se inspirou nos versos de seu Martin Fierro ao dizer: "Sean unidos los hermanos...".
Nasceu ali uma fronteira atípica, com hábitos, cultura e um dialeto apenas seus.
Senão vejamos, que idioma é este que a doméstica fala ao telefone com o seu patrão?
- Patrão, dona Vera mandou dizê que o senhor vaja temprano na carnicería, escolha uma boa polpa de nalga e depois passe na verdureria pa comprá munhata e morrones que ela vai fazê puchero.
Com certeza não é português e também não é espanhol. É portunhol, o dialeto desta fronteira. E o marido da dona Vera sabe muito bem que terá que passar cedo no açougue, comprar um pedaço de carne de traseiro e depois terá ainda que ir à quitanda comprar batata doce e pimentão, isso tudo para fazer um cozido.
Qualquer fronteiriço da gema sabe disso.
Apesar da convivência única e harmônica, moradores de uma e outra cidade não esquecem da fidelidade que, em última instância, devem ao seu país natal. Em jogos de futebol entre os países então não tem conversa: la celeste es la celeste e a canarinho é a canarinho!
Em 1970, logo após a vitória do Brasil contra o Uruguai no mundial daquele ano, um grupo de torcedores mais animado, pela festa e pela bebida, resolveu tomar Rivera por assalto para vingar 1950. Aquelas mágoas ainda batiam no peito da torcida canarinho. Para evitar estragos a policia uruguaia colocou um regimento de cavalaria na linha divisória e ordenou que as luzes da cidade fossem apagadas. A policia brasileira também se fez presente e isto acabou por serenar os ânimos.
- Deixa assim. Afinal, a taça será nossa, pessoal!
- No, tranquilo. La victoria de la celeste en el 50 no se la olvidan.
Afinal, os do lado de lá são os "castianos" e do lado de cá são “los macacos”. Mas no fundo são todos fronteiriços.
Um morador de Santana, que tem um sem número de amigos do lado do Uruguai, dizia certa vez:
- Todas as ruas deles que desembocam na linha divisória têm nome de batalhas que o Brasil perdeu pra eles! São a Sarandi, a Ituzaingó e a Agraciada. – e sugere, gozando - Por que eles não botam na avenida da divisória o nome de Tacuarembó, batalha em que o nosso exército derrotou o Artigas?
Pois esta é a fronteira de Rivera e Livramento, suas historias e seus causos.
- Aqui está nascendo uma nova nacionalidade, a de fronteiriço – se diz com freqüência nesta fronteira.
Um historiador bem informado diria que a fronteira foi criada para separar o Brasil do Uruguai. Já um poeta inspirado, declamaria que Santana arrancou-se dos braços do Alegrete e fugiu pra Rivera. E Rivera largou de Tacuarembó para viver junto a Santana.
Se não fossem irmãs estas cidades, sua historia seria um romance.
Esta é a Fronteira da Paz ou La más Hermana de las Fronteras.

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