quinta-feira, 31 de outubro de 2013

OA TROPEIROS

Como surgiram,quem eram e o papel dos tropeiros


O Rio Grande do Sul entrou na economia nacional pelas mãos dos tropeiros e patas das mulas. Pois foi o comércio de mulas que integrou a região à economia nacional, ainda no século XVII e início do XVIII, antes mesmo que o Rio Grande do Sul existisse formalmente.
A história do tropeirismo – um dos capítulos mais importantes da formação gaúcha e um dos menos lembrados – integrou diferentes regiões do Brasil, e traçou a rota da formação de muitas cidades da região Sul e Sudeste. Foi através dessa atividade que se consolidou o movimento comercial do país, que se definiram vocações econômicas regionais, e que as enormes extensões de pampas gaúchos encontraram seu destino, que marca a atividade econômica de algumas regiões do Estado até os dias atuais.
 
O gado:
Antes de se analisar a atividade dos tropeiros é preciso lembrar da origem da riqueza que exploravam: o gado disperso pelos campos gaúchos.
No início do século XVII chegaram jesuítas à região formada pelos atuais estados do Paraná e Rio Grande do Sul. Esses padres estabeleceram as Missões Jesuíticas, onde reuniam, em torno de pequenos grupos de religiosos, um grande número de índios guaranis convertidos. Para sustentar essas populações, foi introduzida a atividade pecuária, com o gado solto nas pradarias.
Em 1628 já havia relatos sobre a presença de rebanhos nas reduções jesuíticas. Mas acredita-se que tenham levado os animais da margem direita para a esquerda do rio Uruguai em 1629, dando origem a um rebanho imenso que ficaria conhecido como Vacaria do Mar na área situada entre a Laguna dos Patos e os rios Jacuí e Negro. Essa Vacaria era regularmente predada por espanhóis e portugueses, e para garantir o gado os jesuítas criam a Vacaria dos Pinhais, na região de campos de cima da serra que ficou conhecia como Campos da Vacaria.
 
Predadores:
A formação das Vacarias permitiu que se realizasse, na área do atual Estado, a atividade de preia do gado selvagem. Caçava-se o gado e se retirava o couro, que era exportado para a Europa. A carne que não era consumida pelos preadores, era deixada no campo, apodrecendo. Todos preavam gado: portugueses, índios de aldeamentos, moradores das terras espanholas que tinham permissão de suas autoridades para vaquear, indivíduos que vaquejavam por conta própria.
Enquanto isso, Portugal e Espanha continuavam na sua dança para ver quem, afinal, seria o dono do Sul do Continente. Tratados não cumpridos por ambas as partes e a política de “é de quem conseguir manter” tornavam a região que é o atual Rio Grande do Sul uma terra de ninguém, onde as duas coroas disputavam a posse do território.
 
Mineração:

Era ainda esse o quadro do território riograndense quando, no final do século XVII, se descobriu ouro na região das Minas Gerais. A descoberta de ouro (e depois de diamantes) causou um grande afluxo populacional para a região. A população da área cresceu exponencialmente, causando a falta de alimentos e de produtos básicos. De 1700 a 1760, calcula-se que por volta de 700 mil pessoas imigraram para o Brasil com destino à Minas Gerais. A esses, se somaram um grande número de escravos africanos, bem como migrantes vindos de outras áreas do Brasil e escravos transferidos ilegalmente da região de produção de açúcar no Nordeste.
Não é de se admirar, portanto, que no início do século XVIII a falta de gêneros alimentícios tenha causado grandes crises, acompanhadas por expressiva mortalidade. As crises mais fortes foram as de 1697-1698, 1700-1701 e 1713.
A atividade mineradora, o crescimento das cidades e a formação de uma elite com recursos aumentaram a necessidade de animais para transporte de carga.
Onde encontrar esses animais? A resposta era fácil – no sul do continente, onde estavam as enormes Vacarias. A bem da verdade, a região não era propriamente portuguesa. No início do período de mineração a América ainda era dividida pelo Tratado de Tordesilhas, e teoricamente os rebanhos pertenciam à Espanha. Mas isso era um detalhe, resolvido pela política de ocupação efetiva do território. E foi assim, vindo de uma região de posse duvidosa, que o gado gaúcho entrou na história brasileira.
 
O primeiro tropeiro e os caminhos que criou:
Por que caminhos andavam esses primeiros tropeiros? Quem eram eles?
O primeiro grande tropeiro foi um fidalgo português, Cristóvão Pereira de Abreu, descendente do condestável Nuno Álvares Pereira. Cristóvão de Abreu nasceu em Ponte de Lima, em 1680, e veio para o Rio de Janeiro aos 24 anos. Aqui, casou com D. Clara de Amorim, com quem não teve filhos.
Em 1722, aos 42, fez um grande negócio. Arrematou o monopólio de couros do sul do Brasil, mediante o compromisso de pagar 70 mil cruzados para a Fazenda Real anualmente. Tratou de começar a explorar esse manancial de ganhos, chegando a exportar 500 mil peças de boi por ano, através da Colônia de Sacramento (então de posse dos Portugueses).
Cristóvão de Abreu também instalou sua própria estância, situada entre o Canal de Rio Grande e a planície de Quintão. Mas o seu grande feito seria estabelecer um caminho por terra entre os pampas e o mercado que clamava por gado.
Francisco de Souza Faria, morador de Laguna, havia levado dois anos abrindo uma estrada que ia de Morro dos Conventos, em Araranguá, na planície costeira da atual Santa Catarina, até os Campos de Curitiba, no planalto. A obra teve início em 1717, e por essa estrada Cristóvão Pereira subiu pela primeira vez levando 800 cavalos e mulas, possibilitando a ligação entre o Sul e a vila de Sorocaba em São Paulo, que se tornou o grande entreposto de venda de gado durante o período da mineração, no ano de 1831.
No ano seguinte, em uma segunda viagem – agora com 3 mil animais e 130 tropeiros – Cristóvão de Abreu alargou e melhorou o caminho, construindo vários pontilhões. Levou um ano e dois meses para atingir Sorocaba – e iniciou um novo ciclo da economia gaúcha.
Mais tarde, Cristóvão Pereira abriu um novo caminho, que ligava diretamente os campos de Viamão aos Campos de Lajes. Ao longo desse caminho foram surgindo povoados: Santo Antonio da Patrulha, São Francisco de Paula, Capela de Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria.
As aventuras do primeiro tropeiro não pararam por ai. Mais tarde, em 1735, foi convocado pelo governo português para defender as fronteiras portuguesas por terra, enquanto o Brigadeiro José da Silva Paes prestava apoio marítimo. O governo português tinha conhecimento de que os espanhóis pretendiam ocupar toda a área que ia até a ilha de santa Catarina, e era preciso garantir a presença portuguesa.
Cristóvão aceitou o desafio e com 160 homens partiu para o Sul, sustentando a entrada do canal de Rio Grande por cinco meses, até que o Brigadeiro Silva Pais chegou com suas tropas por mar. No ponto onde Cristóvão de Abreu havia se instalado com seus homens, e onde o brigadeiro desembarcou, foi fundado o quartel e vila de Rio Grande. E seria ali que, em 1755, morreria Cristóvão Pereira de Abreu, o homem que colocou o Rio Grande do Sul no mapa econômico do Brasil.
As duas rotas originais estabelecidas por Cristóvão de Abreu perderam importância quando se passa a explorar diretamente a região das Missões, e se passa a utilizar um caminho que leva diretamente à essa área, partindo de Vacaria e indo direto a Cruz Alta, então na fronteira entre Portugal e Espanha.
 
Os números:
Uma vez estabelecidas as rotas de transporte, as tropas se multiplicaram e o comércio de gado deslanchou. A preferência era pelos muares, já que mulas e burros eram mais adequados para o transporte em uma região montanhosa como Minas Gerais. Mas também se exportava gado vacum e cavalos.
Estabelecer um número exato de animais exportados é quase impossível. Há relatos falando em mais de 50 mil animais, com grande predominância de muares, na metade do século XVIII.
As tropas saiam do Rio Grande do Sul em setembro ou outubro, época em que, graças às chuvas, encontrariam melhores pastos pelo caminho. Prosseguiam até Curitiba, onde ficavam por algum tempo, engordando o gado. De lá, partiam para Sorocaba, o grande centro de comércio de gado, a tempo de participar das grandes feiras que se realizavam entre abril e maio.
 
O dia-a-dia:
O tropeiro era um homem acostumado às intempéries. É difícil definir sua origem. Havia paulistas, reinóis, nascidos no próprio Rio Grande que se dedicaram ao tropeirismo nessa primeira fase. Alguns deles enriqueceram, e se tornaram verdadeiros “empresários do transporte”.
Ao partir de Viamão, Cruz Alta ou dos demais centros de envio de tropas, sabia que teria dias duros pela frente. Ao final de cada dia de trabalho, cobria a carga dos animais com couro, e deitava-se no chão, sobre um pedaço de couro, ao ar livre, no chamado encosto, o pouso em pasto aberto. Em alguns pontos, encontrava abrigos construídos – os ranchos. Neles, o rancheiro oferecia alojamento para os homens, cobrando apenas o milho e o pasto consumidos pela tropa.
Enquanto o gado comia, o tropeiro preparava sua alimentação.
Sua alimentação se baseava no toucinho, feijão preto, farinha, pimenta do reino, café e fubá. O feijão tropeiro misturava feijão quase sem molho com pedaços de carne seca e toucinho, e era servido com farofa e, quando havia, couve.
Entre os animais, destacava-se a “madrinha”, com a crina toda enfeitada com fitas. Era o cavalo, égua ou mula mais calma, bastante conhecida pelos demais animais, que era a cabeça da tropa.
Dessa maneira seguiam em uma viagem que levava meses, quase sempre acompanhando o roteiro dos rios e atravessando os campos abertos, desafiando o perigoso Rio Pelotas na divisa entre Rio Grande e Santa Catarina, pousando por algum tempo nos Campos de Curitiba até chegarem à feira de Sorocaba.
 
O fim de um ciclo:
A atividade de tropeiragem teve seu auge ente 1725 e o final do século, quando a atividade mineradora começou a declinar. Nessa época, entretanto, um novo produto permitiu que o Rio Grande do Sul continuasse a desempenhar o seu papel de fornecedor de outros centros produtores brasileiros. Era o charque, que começou a ser produzido na região de Pelotas por volta de 1780. Com ele, os rebanhos gaúchos encontrariam uma nova destinação.
Entretanto, os tropeiros continuaram a percorrer os caminhos do Sul, ainda que em menor escala. A tropeiragem sofreu um grande baque com a instalação das ferrovias, no final do século XIX. Manteve-se, contudo, em menor escala, até o a década de 50 do século XX.
 
Homenagem:

Uma merecida homenagem a esses homens foi prestada entre março e maio de 2006, quando uma equipe de 18 profissionais saiu com 26 animais da cidade de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, rumo a Sorocaba. Promovida pelo programa de televisão Globo Rural, a Tropeada percorreu o 1.270 quilômetros em 66 dias, repetindo a rota dos tropeiros pelo Caminho Novo de Vacaria. A tropa saiu de Cruz Alta e passou por Carazinho, Passo Fundo, Lagoa Vermelha, Vacaria e Bom Jesus no Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina, passou por Lages, Marombas e Mafra. Seguiu pela Lapa, Rio Negro, Palmeira, Castro e Piraí no Paraná. Cortou terras de Itararé, Itapeva, Buri, Alambari, Itapetininga, Araçoiaba da Serra e chegou a Sorocaba, em São Paulo.
No caminho, fazendas antigas, museus, belíssimas paisagens marcaram o percurso daquele que foi, um dia, o caminho pelo qual o Rio Grande foi se tornando brasileiro – o Caminho dos Tropeiros.

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