Há mais de duzentos anos, nos Campos Neutrais, bandoleiros colocavam tochas em chifres de bois para simular a existência de faróis sinalizadores e desviar os navios de suas rotas. Assolados por ventos fortes, ondas enormes e por bancos de areia traiçoeiros, dezenas de navios não resistiam e naufragavam ou encalhavam na beira da praia, tornando-se presas fáceis para os grupos armados que aterrorizavam essa terra de ninguém. As praias de mar aberto por onde antes perambulavam os bandoleiros estão tomadas hoje por aves migratórias que atravessam o continente para escapar do frio do Hemisfério Norte, criando um tapete de vida de rara beleza. Mas os perigos do mar continuam, justificando a fama de cemitério de navios, que atravessa os séculos. Nos 267 anos de história do Rio Grande do Sul contam-se ao menos 270 naufrágios em sua costa, que são mais comuns justamente nesta época, quando os ciclones agitam o mar, levando perigo para navios de todos os portes. — Há uma clara relação entre os naufrágios e a passagem de frentes frias na região As tragédias dos mares do sul têm dois momentos: até o início do século passado, além das ameaças do mar, havia o pesadelo da entrada na barra do Porto de Rio Grande, que tinha baixa profundidade e bancos de areia em constante movimentação.
Depois disso, com a construção de molhes aumentando a profundidade do canal, o acesso ficou mais fácil, mas a turbulência continuou. Ainda em 1999, enquanto aguardava para atravessar a barra, o navio graneleiro Minghai foi empurrado pelos fortes ventos (vindos de sudeste e conhecidos como “carpinteiro da praia”) até a beira da praia em São José do Norte, do outro lado do canal, em frente ao porto, e somente foi salvo porque os ventos mudaram e voltaram a empurrá-lo para o mar. Mas nem todos tiveram essa sorte. Em 1976 o navio Altair foi empurrado para a beira da praia e não conseguiu escapar. Terminou sendo abandonado a 12 quilômetros do Cassino e hoje é uma das atrações turísticas e cartão postal desse balneário da cidade de Rio Grande. — No ano passado foram dois naufrágios, ambos de barcos pesqueiros que navegam com menor segurança e muitas vezes descumprindo orientações para não saírem para o mar. Em julho houve o naufrágio do Magalhães II, no Albardão, que chegou até a praia empurrado por um ciclone. Em setembro ocorreu o segundo, a 270 quilômetros da costa, na altura de Tramandaí, no litoral norte. Uma onda gigantesca durante um ciclone virou o barco, matando dois tripulantes e deixando os outros seis à deriva. Somente foram localizados quatro dias depois — acrescenta Rodrigo Torres. A turbulência dos mares do sul acompanha todos os momentos da história.
Apenas nesse período aconteceram 114 naufrágios, envolvendo embarcações de 17 países. Apenas em um dia (14 de maio de 1856) ocorreram sete naufrágios. Em 11 de agosto de 1887 foram registrados outros cinco, um deles, o do navio Rio Apa, matando 113 pessoas. Houve 0,2 navio afundado para cada 390 entradas de navios no Porto de Rio Grande e um navio perdido para cada 2.435 saídas do porto, justificando a histórica denominação de cemitério de navios. Apenas entre o Chuí e Maldonado, no Uruguai, existem 60 navios encalhados e afundados próximo à costa, muitos deles visíveis quando a maré está baixa. Os restos do navio inglês “Prince of Wales”, afundado em junho de 1861, ao sul do farol do Albardão, no extremo sul do Rio Grande do Sul, estão entre os que, segundo moradores de Santa Vitória do Palmar, ainda podem ser vistos de vez em quando, quando a maré baixa. Esse navio estaria entre os que foram atraídos para a beira da praia pelos bandoleiros que aterrorizavam os campos neutrais há dois séculos, incidente que foi o pivô da chamada “Questão Christie”, que quase resultou em um conflito armado com a Inglaterra, que chegou a deslocar barcos de guerra para a região.
PRÓXIMO AO FAROL DE MOSTARDAS , os restos de um casco de madeira.
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