quarta-feira, 29 de maio de 2013

COLA ATADA


                                           Cola Atada

                       Hoje a lida é de cola atada,orgulho do gaúcho quando sai a cavalo.


É um costume antigo, flor de campeiro do gaúcho.
Sair de cacho atado é um orgulho pro domador ou ginete lá de fora!
Muito embora já tenha sofrido restrições ao apresentar em Credenciadora, ou até mesmo ouvindo críticas naquele Curso de Jurados da ABCCC do qual participei.



Dizem os adeptos do Freio de Ouro, quando bitolados, fazendo a ressalva de que não me refiro a todos aqueles que apreciam esta prova, que o ginete ata a cola por receio de "reações", pra não ficar parecendo um "ventilador", quando na verdade o mau uso excessivo da espora é que as causam.

Mas bueno, é difícil enxergarem um ginete de Marcha de Resistência que se preze, que se enforquilhe sem antes atar a cola da montaria.
Atar a cola é sinal de capricho.


Quebrar o cacho é uma demonstração da doma daquele animal, ainda mais porque acaba por visualmente valorizar a anca daquele.
Dos modos de se atar a cola, alguns têm significado, outros são bem difíceis de serem realizados, pois são quase uma trança. Mas é certeza que aquele nó bem atado, não se desmancha, segue preso até se pelar as garras.
Charlando com uns castelhanos sobre atar a cola dos cavalos, meio sem querer acabei por desvendar um certo tabu. Aquela conversa de que cavalo solto com a cola atada não mija.

 
Na realidade o que os uruguaios fazem, por capricho, é ensinarem seus cavalos a mijarem depois do treino, após serem desencilhados e terem suas colas desatadas, mas para que não sujem as cocheiras com urina. Depois de uma larga troteada é normal que o cavalo se alivie, e o que eles fazem é doutrinarem seus pingos a isto, mijarem antes de entrarem nas cocheiras. É sinal de limpeza, saúde e condicionamento.


No más, se ata a cola é com cuspe, com ela própria e tão somente, não elástico ou borracha! Ainda mais porque apertando demais poderia diminuir a circulação do sabugo da cola.
Abaixo seguem alguns tipos de nó de cola dos cavalos campeiros:
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1   - Bailado
2   - Nego Véio
3   - De Capataz
4   - De Passeio em Carrera
5   - Corneta
6   - Moço Bonito ou Três Galho
7   - De Segurança
8   - Uruguaio
9   - De Segurança
10 - Nó Ligeiro
11 - De Dois Galho
12 - Cola Desatada

BEM RISCADO


 DESENHO BEM RISCADO.

                    Marcha de Resistência de Integração


dibujos: Jaime Eduardo Iserard






 





  





 
                                                                             
                                                                                       dibujos: Jaime Eduardo Iserard

CRIOULO A RAÇA, A PROPAGANDA E O MERCADO.




                                      A RAÇA, A PROPAGANDA E O MERCADO.

               

                A comercialização é parte vital da indústria do cavalo, a exemplo de qualquer atividade econômica, os investimentos em genética, manejo, alimentação e treinamento dependem diretamente de seus resultados.
É correto afirmar e fácil de entender, que a agilidade e a liquidez do mercado são fatores preponderantes que refletem e influenciam diretamente na seleção e no melhoramento de uma raça.
O Cavalo Crioulo não escapa à regra, há uma correlação estreita entre a comercialização e o melhoramento genético, de tal ordem, que quando aquecido há o risco do mercado passar a determinar o destino da seleção; na medida em que passamos a produzir aquilo que o “mercado” está desejando.
Do ponto de vista eminentemente comercial esse é o processo normal de expansão, através do crescimento das vendas, e consequentemente na maximização dos lucros, que em última análise impulsionam os investimentos e fazem “a roda econômica girar”.  
O combustível de toda essa “máquina” chama-se consumidor, cliente ou comprador, sem ele não há comercialização, as vendas desaparecem e consequentemente somem os investimentos.
O convencimento de que determinado animal vai realizar aquilo que o comprador “idealizou” é o ponto básico do impulso da compra, agregado a outro fator que produz esse convencimento estimulando a compra: A PROPAGANDA.
Os leilões transmitidos pela mídia além do propósito central da venda transformaram-se em meio de divulgação e propaganda, os leiloeiros em “garotos propaganda” de um grande comercial que dura quase duas horas (uma eternidade em termos de televisão).
A atuação primorosa de nossos leiloeiros extrapolaram o simples manejo do martelo, passaram a propalar argumentos que se transformam em “verdades”, alguns pelo seu bom conteúdo, outros nem tanto mas que pela insistência da repetição.

                Há casos hilariantes, como aquele que o leiloeiro relacionou o parentesco de um produto na pista com sendo CUNHADO (embora não tenha usado essa palavra) de um Grande Campeão da Expointer.
 Logicamente o fez a título de piada.
Outro caso que chama a atenção é a insistente apologia ao “puro chileno”, como se isso expressasse qualidade, quando na verdade é um verdadeiro “tiro no pé”.
Principalmente  após o afastamento do Chile da FICCC e das declarações da Federação Chilena que o cavalo chileno NÃO É CRIOULO.
Isso faz com que a identidade nosso cavalo enfraqueça e lentamente perca sua denominação de origem. 
Produtos com DENOMINAÇÃO DE ORIGEM tornam-se ícones e muitas vezes sinônimo para funções específicas como é o caso do CHAMPAGNE, VINHO DO PORTO, PARMEGIANO, ROQUEFORT, etc.
Paira hoje uma dúvida que deve se aprofundar após a fundação de Associação de Criadores de Cavalos Chilenos no Brasil, patrocinada pela Federação daquele país:
Nosso cavalo é Crioulo ou chileno?
Por essa razão é incompreensível  que se continue no mesmo jargão do “chileno puro” como se isso fosse uma característica qualitativa, que na realidade todos sabemos que não é.
Que me perdoem meus amigos leiloeiros por quem tenho o maior respeito, mas é necessário extirpar esse cacoete, com a competência que lhes é peculiar, não faltará sensibilidade para substitui-lo.
               O DILEMA DO CRIADOR

                O dilema do criador nos dias de hoje consiste na escolha entre criar para o mercado, ou visando objetivos técnicos de melhoramento .
                Durante décadas havia uma harmonia entre o que o mercado  buscava e o caminho do melhoramento da Raça.
Este dilema passou a existir a partir do momento em que a disseminação genética de poucas linhas de sangue tomou conta do plantel nacional, dominando amplamente a maioria absoluta dos criatórios.
Como consequência natural desse “movimento”, as diversas linhas de sangue disponíveis (já não eram muitas), que garantiam a diversidade genética da Raça, foi sendo relegado a segundo plano, inclusive sendo discriminadas pela própria ABCCC.
Essa discriminação se configura principalmente na orientação para um biótipo específico e único imposto através das concentrações de machos, que sistematicamente vem eliminando animais com tipicidade sem defeitos graves e inseridos nas medidas oficiais, mas que segundo a Abccc não conferem com o “biótipo que se procura”.
Nossa genética se aprofundou num único rumo. Concentrou – se exageradamente , com pequenas variações que na realidade conduzem invariavelmente a uma origem comum, fato que nos conduziu a um afunilamento genético bastante sério.

                          O BIOTIPO MODERNO
               
Embora tenhamos perdido algumas características raciais no estabelecimento do biótipo moderno de Cavalo Crioulo, indiscutivelmente nos aproximamos mais do cavalo de sela universal.
Modificamos o biótipo de nosso cavalo (a meu juízo para melhor), agregamos beleza, facilidade de movimentos, docilidade e equilíbrio num espaço de tempo razoavelmente curto, é indiscutível que temos hoje um PRODUTO FINAL melhor que aquele de trinta ou quarenta anos atrás.
Que cavalo é esse?
Qual foi a receita, ou como dizem os ingleses que “blend” determinou o aparecimento desse novo Cavalo Crioulo?
Quais os ingredientes que tornaram possível produzir esse produto final e principalmente QUAL A DOSAGEM DESSES INGREDIENTES?
Tão incontestável quanto à verdade do avanço, é a participação de dois biótipos distintos na formação de um terceiro, além de distintas correntes de sangue que mescladas deram esse resultado.
Resultado que se estabeleceu TEIMOSAMENTE COM UMA DOSAGEM EQUILIBRADA ENTRE 25% E 75% DE CADA FORMADOR, mantendo uma média em trono de 50% para os animais preponderantes em desempenho fenotípico (morfologia e função).
De qualquer maneira a estatística mostra que quando fugimos dessa média nos afastamos do melhor desempenho, tanto para mais como para menos, isso quer dizer que NECESSITAMOS DAS ORIGENS FORMADORAS, tanto de um lado como de outro.
No momento que não dispusermos mais de distintas linhas de sangue e distintos biótipos, não teremos mais o produto final pela simples razão de não dispormos da “matéria-prima” para produzi-lo.
Várias postagens neste blog demonstraram que as estatísticas comprovam que os resultados mais expressivos são alcançados com animais mesclados entre linhas a razão de 50% na média. 



                                                      A CAUSA E O EFEITO
                Não há efeito sem uma causa determinante, é importante para nós crioulistas determinar com precisão as causas que determinaram a produção do Cavalo Crioulo Moderno, ou do “new type”.
                Acreditar que esse cavalo já tenha fixado geneticamente suas características a ponto de reproduzi-las com mediana regularidade é no mínimo uma temeridade que assumimos meio inconscientemente.
                Identificar as causas nada mais é que garantir o rumo, não perder as saídas estratégicas, conservar as alternativas genéticas que estão se tornando raras pela força do mercado impulsionado pela propaganda.
                O curioso de tudo isso é que quem faz a propaganda e em última análise conduz o mercado, somos nós mesmos e por interesse comercial de curto prazo apresentamos SOMENTE O EFEITO, esquecendo propositalmente AS CAUSAS.
Esse é o paradoxo que pode nos levar a condição de vítimas de nossa própria criação.
Se de um lado em curto prazo obtivemos resultados comerciais importantes, em longo prazo nos encaminhamos para uma verdadeira “sinuca de bico”, sem alternativas genéticas satisfatórias.
A única razão pela qual não identificamos publicamente as causas é por não dispormos mais da “matéria prima original” para oferecer ao mercado, dessa maneira continuamos a promover o efeito como se fosse a causa.
Alguns criadores tiveram a cautela e o bom senso de mesmo contra a corrente dedicarem-se de selecionar linhas de sangue alternativas entre eles cito alguns exemplos de relevância: Cabanha Santa Edwiges com Redoblado, Cabanha Capão Redondo com Chingorioli, as Cabanhas especializadas na Marcha com o sangue Martins, Flávio B. Tellechea que nos áureos tempos do Hornero importou Compadron Charque e antes dele Del Oeste Plumero, o pessoal de Jaguarão orientados pelo Luiz Carlos trouxeram um cavalo de origem Cardal,
Mais recentemente a parceria Puro sangue Crioulo formada por cabanhas do Paraná e Santa Catarina lideradas pela Rio Bonito, importaram sete garanhões e mais de setenta éguas, formando um núcleo importante de origem materna Pereira Brasil com linha superior Ballester.
Essas são ações que em curto prazo podem parecer estar ao arrepio do mercado, mas que na realidade representam um resgate das verdadeiras CAUSAS do efeito que desfrutamos hoje: O CAVALO CRIOULO MODERNO.

PESQUISA CIENTIFICA


 
  O CAVALO CRIOULO E A PESQUISA CIENTIFICA.
 
                                

                                A Universidade Federal de Pelotas desenvolve um trabalho de pesquisa científica inédito na Raça Crioula, buscando as correlações existentes entre morfologia e funcionalidade.
                               Mais de 640 animais participantes das classificatórias do Freio de Ouro tiveram suas medidas lineares e angulares coletadas pela equipe coordenada pelo professor Dr. Charles Ferreira Martins. O objetivo do trabalho é determinar as correlações existentes entre as medidas corporais e as notas morfológicas com o desempenho funcional na prova.
                               Pela primeira vez na história da Raça Crioula teremos uma investigação com bases científicas para determinar quais os caracteres morfológicos que influenciam diretamente no desempenho funcional (Freio de Ouro), ou seja, desvendar o que seja o VERDADEIRO BIOTIPO FUNCIONAL.
                               É de importância vital a investigação científica para uma formulação concreta de parâmetros de avaliação, que com certeza porão fim ao empirismo que até hoje domina nossas avaliações e julgamentos morfológicos.
                               Parece-me dispensável ressaltar a importância crucial do trabalho, pela sua abrangência e idoneidade, são centenas de correlações que podem ser estabelecidas, confirmando ou pondo fim aos preceitos que valorizam ou penalizam a morfologia do Cavalo Crioulo.
                               Os conceitos adotados em nossas avaliações morfológicas foram estabelecidos empiricamente há anos atrás, tendo em vista um RUMO FUNCIONAL PARA A RAÇA, fato plenamente justificável exatamente por falta de um estudo técnico científico que embasasse esses conceitos na época.
                               Muitos desses conceitos adotados empiricamente se mostraram corretos, outros são discutíveis, outros tantos devem ser imediatamente revistos tendo como base técnica científica esse estudo.·.
                               As conclusões do estudo da UFPEL com certeza auxiliarão no processo seletivo do Cavalo Crioulo, partindo das associações entre características morfológicas e funcionais indispensáveis para o estabelecimento de critérios técnicos da seleção.··.
                               O trabalho que teve o apoio inicial da ABCCC é coordenado pelo Prof. Charles Ferreira Martins, Dr., e sua equipe de pesquisa: Cláudio Alves Pimentel, PhD, Anelise Hammes Pimentel, MsC., José Carlos Ferrugem Moraes, Dr., João Ricardo Malheiros de Souza (acadêmico) e Gabriel de Marco Flório (acadêmico).
                              


              

  ALGUNS RESULTADOS PRÉVIOS
                              
                               Mesmo sem a conclusão do trabalho, em NOTA PRÉVIA divulgada pela equipe, já se pode estabelecer algumas correlações que ilustram bem o alcance da pesquisa quando for totalmente concluída (os parágrafos em itálico e entre aspas, são textuais das conclusões da nota prévia): 
                               1 O perímetro torácico foi a medida linear com maior associação com as                      distintas provas funcionais, seguida pelas medidas lineares comprimento de pescoço e de metatarso.”.  
                        Os primeiros resultados da Nota Previa demonstram que as melhores notas de trote, galope, figura, VSP esbarrada e campo estão associadas às melhores medidas de perímetro do tórax.

                        2 O comprimento corporal teve uma associação positiva: no trote, e uma negativa na VSP. Demonstrando que animais excessivamente compridos tem dificuldades nos movimentos laterais, como já era de se esperar.
                       
                        3 O comprimento do pescoço apresentou uma associação positiva no desempenho do trote do galope e da VSP e o perímetro rostral (garganta) uma associação positiva na pechada. Isto quer dizer que as maiores medidas de pescoço e o maior perímetro rostral tiveram melhor desempenho nessas etapas.
                       
                               “O perímetro rostral (garganta) foi associado positivamente às notas de                                       galope, volta sobre patas, esbarrada, aparte e pechada”.
                               4 “As melhores notas de andadura foram associadas às melhores notas                                          das provas que exigiram flexibilidade rotacional, lateral e dorso ventral”.
                               5 O ângulo da escápula não teve correlação com as notas de galope, porém está associado à qualidade da esbarrada.
                               6 “O antagonismo de características morfológicas ótimas para uma                                 função específica e pior para outra é o que desafia e estimula a seleção   de um cavalo morfologicamente ideal para todas as etapas do Freio de  Ouro”. 


                              
                              
                               NOTAS MORFOLÓGICAS E DESEMPENHO FUNCIONAL

                               A média das notas morfológicas dos 641 animais estudados foi de 6,92 e a média funcional foi de 9,58.
                               Somente 29% (menos de um terço) dos animais com notas morfológicas acima da média (6,92) mantiveram-se acima da média funcional. Praticamente a mesma porcentagem 28,8% obteve nota morfológica inferior abaixo da média e obtiveram notas funcionais acima da média.
                                Se considerarmos somente o chamado “primeiro time” ou time da ponta que parte de uma nota morfológica mínima de 7,5 somente 14,5% desses animais obtiveram notas funcionais acima da média (estatística própria, não consta da nota prévia).
                              


                               A equipe finaliza a nota prévia lançando um alerta:
               
“Porque 28% dos cavalos com desempenho funcional acima da média estão recebendo menos nota morfológica?
Certamente, eles têm características morfométricas que possibilitam bom desempenho funcional, tão bom quanto os cavalos do quadrante superior direito (bons e bonitos).
 O que está sendo buscado no julgamento morfológico atualmente condena estes animais, sabendo-se do peso que a morfologia tem na prova.
Este grupo é muito importante, pois apresentam características funcionais que devem permanecer na raça e se continuarem sendo condenados pela morfologia, provavelmente, não serão utilizados como reprodutores em grande escala, deixando de proliferar características funcionais importantes para a raça.
Segundo Martins, será realizada, futuramente, a análise de diferença entre os dois grupos de cavalos apontados acima, levando-se em consideração a associação entre as características lineares e angulares com as notas funcionais, onde, certamente poderá se encontrar a explicação para tal e apontar caminhos importantes para seleção do Cavalo Crioulo”.·. 



 
                        A conclusão deste trabalho da UFPEL será um marco divisor na história da Raça Crioula confirmando alguns conceitos e reformulando outros tantos, encontrando respostas para indagações que são fundamentais para estabelecer rumos tecnicamente confiáveis para o futuro.
                        Os excelentes resultados obtidos na avicultura, na suinocultura na produção de leite e carne, na silvicultura e na agricultura de modo geral nas ultimas décadas tiveram por base a pesquisa científica, sem ela ainda estaríamos reféns de um processo produtivo arcaico e economicamente inviável.
                        Os investimentos em pesquisa crescem exponencialmente em todas as áreas de produção, permitindo verdadeiros saltos de qualidade daqueles setores que se beneficiam do conhecimento científico e tecnológico na melhoria de seu produto.
                        Um dos exemplos mais significativos no Brasil é o da Raça Nelore que investe fortemente na pesquisa científica, com destaque para a ANCP Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores, que em vinte anos de existência concluiu 394 trabalhos de pesquisa para que o Nelore alcançasse os elevados patamares de produtividade que alcançou.
                        A disponibilidade dos pesquisadores da UFPEL em desenvolver pesquisas científicas sobre o Cavalo Crioulo deve ser valorizada, incentivada e principalmente custeada pela ABCCC.
                        É bom ressaltar que a equipe de pesquisadores não tem absolutamente nenhuma obrigação em trabalhar nesta área, se o faz, é por pura dedicação científica e vinculação cultural com o Cavalo Crioulo.
                        É louvável o apoio da ABCCC ao estudo, apesar de tímido diante da magnitude da pesquisa e dos benefícios que por certo desfrutaremos com seus resultados.
                        Tenho certeza que a diretoria da ABCCC tem a sensibilidade suficiente para avaliar a importância e a premente necessidade de aporte de recursos que permitam a continuidade do trabalho.  

segunda-feira, 27 de maio de 2013

TURISMO NO SUL

                                              SALTO DO YUCUMÃ Parque Estadual do Turvo

Localizada no noroeste do Rio Grande do Sul, a Rota do Yucumã está inserida numa região de transição entre os campos gerais e as áreas de formação das depressões das encostas do Rio Uruguai.
Essas características permítem à região apresentar uma diversidade muito grande de flora e fauna, observadas no Parque Estadual do Turvo e em todos os municípios que compõem a Rota.
Por trás do Rio Uruguai, que se movimenta em cascata, a mata argentina forma um verde denso. No canal onde se encontram as águas, redemoinhos vão e vêm avisando da força da correnteza. A profundidade - que chega a 90 metros em algumas partes do canal não-navegável - alcança 120 metros em outras áreas. As águas de Yucumã percorrem de 12 a 15 metros no ar ou por entre as pedras, até concluir a queda.
Quem tiver fôlego para acompanhar os 1,8 mil metros que o Salto faz em comprimento vai encontrar bem no finalzinho do percurso - depois de saltar entre pedras de todas as espécies e alturas - um pouco da história do Yucumã. A pedra Bugra serviu, em séculos passados, de passagem para os índios que perambulavam pelos territórios argentinos e brasileiros.
O Salto do Yucumã é um dos pedaços de natureza que ficaram quase intocáveis dentro do Parque Florestal Estadual do Turvo, um dos mais antigos do Estado. Pessegueiros, cipós e samambaias formam parte do conjunto verde que circunda as cascatas, embelezadas por contos antigos de onças-pintadas. Além dos 218 tipos de aves, o mico-prego, a capivara e a jaguatirica, entre outras dezenas de espécies de mamíferos, são os que têm trânsito livre até mesmo nos 2,55 mil hectares no coração da mata fechada. A melhor época para visitação do Salto do Yucumã é o verão, já que nos meses do inverno as cheias fazem subir o nível do rio, cobrindo a visão das quedas d’águas.
Em idioma guaraní Moconá significa "que todo o engule". Os saltos se dão ao longo de 1.800 metros e atingem uma altura de até 20 metros.
De relevo acidentado, sulcada por numerosos cursos de rios e ribeiros e coberta por uma importante massa arborizada, os Saltos do Moconá (lado Argentino) oferecem mais de cem alternativas para viver a natureza. Realizam-se travessias em 4x4; atividades de sobrevivência em plena selva; Turismo de Estadia com cavalgadas, caminatas, passeios em jeep, canotaje e o melhor serviço artesanal e caseiro; também Rafting, uma aventura sem comparação no meio das galerias da selva pelos rápidos dos ribeiros.
Se podem observar a flora e a fauna ingressando pelas picadas, descobrindo a cada passo como convivem harmoniosamente mil formas de vida: árvores, arbustos, lianas, enredaderas, plantas epífitas junto às aves, mamíferos, répteis, peixes e anfíbios num equilíbrio natural. Tomar contato com as comunidades aborígenes é a melhor maneira de entender, respeitar e aprender outras culturas.




TURISMO NO SUL

                                                            PICO DO MONTE NEGRO

Está a 1403 metros de altitude, na borda do cânion de mesmo nome, localizado no 2º Distrito a 45 km da sede de Ausentes, com acesso pela estrada Municipal Silveira. O caminho é de chão, mas chega-se de carro ao estacionamento na base pico do Monte Negro, terminando o percurso a pé, sem dificuldades, junto a borda da Escarpa da Serra Geral e muito próximo da divisa com o estado de Santa Catarina e dá o nome ao Cânion nas suas proximidades (grande falha geológica, intensamente erodida/escavada pela drenagem copiosa).
2
O horário ideal para se visitar o cânion do Monte Negro é pela manhã, para evitar o fenômeno chamado "viração", devido à diferença de pressão entre o litoral e os campos de cima da serra, uma camada espessa de nuvens emerge, cobrindo o cânion e impedindo a visibilidade. O cume do RS, ao contrário das demais elevações culminantes de SC ou dos Aparados da Serra (RS/SC), não é de Campos Sulinos, não é medida oficial, mas também aparece como estimativa na carta do IBGE, Folha Silveiras, 1406m e há inclusive gente que coloca em 1410 m sem todavia ter nenhum fundamento. Em síntese, a altitude correta ainda é dúvida, mas com o valor mais próximo deve ser o de 1398 m, que deve ser alguma medida, embora não se sabe a fonte.
6
Do Pico do Monte Negro tem-se visão que chega até a Serra do Rio do Rastro em SC ( Morro da Ronda com 1507 m )e dele avista-se diversos cânions com vegetação dos campos entremeados com matas com Araucárias,sendo a vegetação campestre dominante, principalmente em relevos mais planos, alem de rios e cascatas sombreadas pelo corpo esquio das araucárias, habitado por pumas, pica-paus e curicacas. Despida pelas luzes e sombras de sua geografia.
1
A altitude conhecida é a estimativa do SGE/IBGE, carta Silveira, 1976 ( ou seja, muito tempo e há a necessaidade de se colocar a cota de 1398m, precisa da fonte e grau de precisão) quando da confecção das cartas topográficas básicas de 1:50.000 e 1:25.000, feitas na década de 1970 e 1980, com altitude estimada de 1406 m. Entretanto, esse valor não pode ser o oficial, necessitando de medida de precisão.
3
O morro, ao contrário da maiores elevações tanto do RS como do estado vizinho de SC, pertencentes também a borda oriental da Serra Geral (grande escarpa de idade Mesozóica com cerca de 130 milhões de anos) está coberto pelos remanescentes da Floresta com Araucárias (Mata dos Pinhais), Alto-Montana e não com gramíneas como nas áreas mais elevadas da Escarpa Mesozóica-Planalto Sul Brasileiro (Serra Geral), cobertas pela vegetação gramíneo-lenhosa Campos Sulinos, ou como são chamados no Rio Grande do Sul, de Campos de Cima da Serra.
4
O termo simplesmente Campos, oriunda das culturas do tronco Tupi deve ser sempre levado em conta, embora a vegetação brasileira se for padronizada em termos mundiais o termo seria entre estepe-savana, mas esses termos, de ampla definição, genérica demais, são inadequados pois o clima é distinto, savanas se aplicam mais ao Cerrado e estepe tem uma conotação de clima, totalmente diferenciada do que ocorre no Sul do Brasil, logo o termo Campos, e´o correto, pois é dessa forma que o sul do Brasil se refere a essa fisionomia (no PR, Campos Gerais alem de Campos simplesmente). Também se diferencia pela pequena extensão e pela área da elevação, em torno de uma centena de metros acima dos campos naturais.

Não se comenta do segundo, terceiro, quarto... pontos mais elevados, mas eles são visíveis desde o Morro Pico do Monte Negro.

Visite-o e confirme.

 
 

CONTOS GAUCHESCOS

                                        O duelo dos Farrapos

 
Já um ror de vezes tenho dito — e provo — que fui ordenança do meu general Bento Gonçalves.   Este caso que vou contar pegou o começo no fim de 42, no Alegrete e foi acabar num 27 de fevereiro, daí dois anos, nas pontas do Sarandi, pras bandas e já pertinho de Santana.
Foi assim. Tenho que contar pelo miúdo, pra se entender bem. Em agosto de 42, o general, que era o presidente da República Rio-Grandense — vancê desculpe… estou velho, mas inté hoje, quando falo na República dos Farrapos, tiro o meu chapéu!... — o general fez um papel, que chamavam-lhe — decreto — mandando ordens pr’uma eleição grande, para deputados; estes tais é que iam combinar as leis novas e cuidar de outras cousas que andavam meio à matroca, por causa da guerra.
  Em setembro houve a eleição; em outubro já se sabia quem eram os macotas votados, que eram quase todos os torenas que andavam na coxilha. O jornal do governo deu uma relação deles e dos votos que tiveram, que eu sabia, mas já esqueci.
  Por sinal que esse jornal chamava-se —  Americano  — e tinha na frente um versinho que saía sempre escrito e publicado e que era assim, se bem me lembro:

“Pela Pátria viver, morrer por ela;
Guerra fazer ao despotismo insano;
A virtude seguir, calcar o vício;
Eis o dever de um livre Americano”.

Em novembro, os deputados, que eram trinta e seis, mas que só se apresentaram vinte e dois, juntaram-se em assembléia; em dezembro, logo no dia um, foi então a cerimônia principal.
O general foi em pessoa, como presidente, com a ministrada, os comandantes de corpos e outros topetudos, e aí fez uma — Fala — muito sisuda e compassada, que todos escuitaram quietos, só sacudindo a cabeça, como quem dizia que era mesmo como o general estava lendo no escrito.
Uê!... e que pensa vancê?... Estava tudo na estica, sim senhor: fardas novas, bainhas de espada, alumiando; redingotes verdes ou azuis com botões amarelos, padres com as suas batinas saidinhas; um estadão! E famílias, muita moçada fachuda, povaréu, e até uma música. Eu e o outro ordenança, os dois, mui anchos, de gandola cobrada.
Por esse entrementes, no Estado Oriental, andava gangolina grossa entre Oribe e Rivera, que eram os dois que queriam o penacho de manda-tudo. Volta e meia as partidas deles se pechavam e sempre havia entrevero.
Ah! se vancê visse a indiada daquele tempo… cada gadelhudo... Ah! bom!... Mas, como quera, onde se encontrasse, a nossa gente entropilhava-se bem com a deles. E mesmo era ordem dos sup’riores.
Quando íamos mal da vida, já pelas caronas, nos bandeávamos para o outro lado da linha; lá se churrasqueava, fazia-se uma volteada de potrada e voltávamos à carga, folheiritos no mais! O barão Caxias, que era o maioral dos caramurus, mordia-se com estas gauchadas.
Mas tanto Oribe como Rivera nos codilhavam quando podiam, porquanto faziam também suas fosquinhas aos legais... apertavam o laço pra nós, mas afrouxavam a ilhapa pra eles...
Vancê entende?... Pau de dois bicos!... —  Mas, vá vancê escuitando.
Rabo-de-saia é sempre precipício pros homens... 
Não vá vancê cuidar que no caso andou mulher botando fungu no coração de ninguém, não, senhor; a cousa foi muito outra, de alrifage… Naquele novembro de 42, quando os deputados foram-se ajuntando, de um a um, vindos de todos os rumos da província da República e havia na vila do Alegrete movimento de comitivas e piquetes, um dia, já à boquinha da noite, chegou uma carreta de campanha, mui bem toldada, com boiada gorda, e escoltada por um acompanhamento grande, de gente bem montada e armada.
        Chegou o combói e parou em meio da praça; e logo o que vinha de vaqueano cortou-se e foi apresentar o passe e outros papéis; e foi dizendo que a pessoa que vinha na caneta era uma senhora-dona viúva, que trazia ofício pra o governo e que era sobre uns gados que haviam sido arrebanhados e cavalhadas, e prejuízos e tal, e mais uma conversa por este teor e com mais voltas que um laço grande enrodilhado... Foi isso o que correu logo no redepente da curiosidade.
Papéis foram que a tal dona trazia, que logo o general mandou chamar os deputados e os ministros e depois se trancaram todos numa sala grande; e depois despachou um capitão para ir buscar a figurona.
E ela veio; e mal que chegou o general veio à porta, fez um rapapé rasgado e foi com ela pra tal sala onde estavam os outros.
Se era linda a beldade!... Sim, senhor, dum gaúcho de gosto alçar na garupa e depois jurar que era Deus na terra!.
E destorcida, e bem-falante; e olhava pra gente, como o sol olha pra água: atravessando!
Dentro da sala, fechada, ia um vozerio dos homens; depois serenava; parece que eles estavam mussitando; e a voz da dona repenicava, hablando un castellano de mi flor!
Lá pelas tantas levantaram o ajuntamento; o mesmo capitão foi levar a dona. E de manhã, nem carreta, nem boiada nem comitiva apareceram mais.
Depois é que vim ao conhecimento que aquela figurona tinha vindo de emissária. Rivera era mais valente; Oribe era mais sorro: mas, os dois, matreiraços!...
Agora, qual dos dois, pra disfarçar dos caramurus o chasque, mandou, em vez dum homem, aquela vivaracha, qual dos dois foi, não pude sondar. Era assunto encapotado...
Depois desse dia começou a haver um zunzum mui manhoso contra o general.
Não sei se era inveja, ou intrigas ou queixas ou ganas que alguns lhe tinham. As cousas foram-se parando embrulhadas na tal assembléia e uma feita, não sei por que chicos pleitos o general e o coronel Onofre Pires tiveram um desaguisado; o general deu as costas, num pouco caso e o coronel saiu, num rompante, batendo forte os saltos dos botins.
Em 43 houve outra arrancada braba, foi quando mataram um Paulino Fontoura, que era um pesado. Houve outro bate-barbas entre o general e o coronel Onofre, que era mui esquentado e cosquilhoso.
Mas logo os chefes todos se desparramaram, porque o barão Caxias andava na estrada, levantando polvadeira.
E brigou-se! Em S. Gabriel, na Vacaria, em Ponche Verde, no Rincão dos Touros. O governo tinha saído do Alegrete e estava outra vez em Piratinim; aí por perto peleou-se, e no Arroio Grande, em Jaguarão, nas Missões, sobre o Quaraim, em Canguçu, em Pai Passo.
Que ano que bebeu sangue, esse!
E quando o exército se amontoou todo, pra lá do Ibicuí e depois foi estendendo marcha, houve um conelho grande de oficiais; e aí se falou outra vez na emissária, a fulana, aquela da carreta, no Alegrete. Aí, então, os dois galões-largos se contrapontearam outra vez.
A gente como eu é bicho bruto e os graúdos não dão confiança de explicar as cousas, por isso é que eu não sei muitas delas: tenência não me faltava; mas como é que eu ia saber as de adentro dos segredos?... 
Já sobre o Garupá — vancê não conhece? são os campos mais bonitos do mundo! — aí os homens se cartearam.
Então já era o ano 44. O coronel escreveu barbaridades; o general respondeu com aquele jeito dele, sisudo.
E quando foi no dia 27 de fevereiro o general me chamou e mandou que eu fosse levando pela rédea, para a restinga, os dois cavalos que estavam atados debaixo dum espinilho; era um picaço grande e um cobrado.
Fui andando; lá longe ia descendo um vulto, atrás de mim vinha outro.
E devagarinho, como quem vai mui descansado da sua vida, os dois.
Ah! esqueci de dizer a vancê que atravessado debaixo da sobrecincha de cada flete, vinha uma espada.
Reparando, vi que as duas eram iguais, de copo fechado e folha grande, das espadas de roca, que só mesmo pulso de homem podia florear.
E quando parei e os dois vultos se chegaram, conheci que eram o meu general e o coronel Onofre. E desarmados…
Mas como chegaram, cada um despiu a farda, que botou em cima dos pelegos e desembainhou a espada que vinha.
O cobrado era do coronel; o picaço, do general.
Então o general deu ordem:
— Espera aí, com os cavalos!
E o coronel também:
— Bombeia; se chegar alguém, assobia!
E rodearam a restinga, para o outro lado.
Então é que entendi a marosca: eles iam tirar uma tora, dessas que não se fira duas vezes entre os mesmos ferros...
Maneei os mancarrões e com um olho no padre, outro na missa, por entre as ramas da restinga, fui espiar a peleia.
Estavam já, frente a frente, de corpo quadrado.
O sol dava a meio, para os dois.
O general Bento Gonçalves era sacudido no jogo da espada preta; meneava o ferro, que chispava na luz, co-mo uma fita de espelho; o coronel Onofre parava os botes e respondia no tempo, mas com tanta força que a espada assobiava no coriscar.
Nisto o general pulou pra trás, fincou a espada no chão e pegou a tirar o tacão da bota, que se despregara.
O coronel encruzou os braços, e a espada dele ficou dependurada da mão, como dum prego.
Pra um que quisesse aproveitar... Mas qual... aqueles não eram gente disso, não? E cruzaram, de novo. Em cima da minha cabeça um sabiá pegou a cantar… e era tão desconchavado aquele canto que chora no coração da gente, com aqueles talhos que cortavam o ar, que eu, que já tinha lanhado muito cristão caramuru, eu mesmo, fiquei, sem saber como, com os olhos nos peleadores, os ouvidos no sabiá, mas o pensamento andejando... nos pagos, no meu padrinho, no Jesu-Cristo do oratório da minha mãe...
Os ferros iam tinindo, E nisto, o coronel deu um —ah! — furioso, caiu-lhe da mão a espada… e a sangueira coloreou pelo braço abaixo, desarmado, entregue!...
Pra um que quisesse aproveitar... Mas qual! aqueles não eram gente disso, não!
O general tornou a cravar a espada na terra e veio ao ferido com bom jeito.
Pegou o braço, viu o ferimento; e com um lenço grande que levantou do chão, do lado do chapéu, atilhou o talho para estancar o sangue. 
O outro, calado, nem gemia.
Depois o general tornou a pegar da espada, fez uma inclinação de cabeça ao coronel e caminhou pra cá…
Foi o quanto eu me atirei pra trás e me acoc’rei perto dos cavalos.
Vestiu a farda, embainhou a espada e montou. Então me disse:
— Agora vem gente, que eu vou mandar. Não te movas daí, antes.
E deu de rédea, a galope, para o acampamento.
E no silêncio que ficou, só ficou balançando no ar o canto do sabiá, na restinga: do outro lado, o sangue do coronel, pingando nos capins; deste lado, eu, sabendo, mas não podendo me intrometer...
— Agora veja vancê se não foi mesmo o fungu daquela tal dona — emissária dum dos dois sorros castelhanos — que veio transtornar tanta amizade dos farrapos?...
Ela só não pôde foi mudar o preceito de honra deles: brigavam, de morte, mas como guascas de lei: leais, sempre!
Pois não viu, naquelas duas vezes?… Pra um que quisesse aproveitar...
E creia vancê, que lhe rezei este rosário sem falha duma conta, apesar de já sentir a memória mais esburacada que poncho de calavera... Pois faz tanto ano!...
                                                                                        
                                                                                                João Simões Lopes Neto



 

                                   
 
 
 

 
 

CONTOS GAUCHESCOS


                                     Penar de Velho
Conheci, sim, sr., o Binga Cruz, desde assinzinho... Guri levado da casqueira!... E teve um fim que nunca se soube... Pobrezinho... Andaria nos doze anos. Filho único.
  O pai dele, o velho, recebeu de regalo um bagual picaço sãozito das quatro patas, sem uma basteira; e de rédea, um pensamento. E era mesmo para o andar dele.
Pois, amigo, se lhe conto!...
  Um dia, dezembro, sol de rachar, com trovoada armada, andara o guri ninhando numas restingas que havia sobre o fundo da roça, por detrás das casas. O chapéu estava já abarrotado de ovos de tico-tico, de alma-de-gato, de corruíras, canarinhos, sabiás...; era um entrevero bonito de cores e feitios diferentes.
De calcita arregaçada, mui espinhado nas canelas e nos braços, o rosto vermelho e a cabeça ardendo, o diabinho ainda gateava um ninho de tesouras, quando, do outro lado da cerca, ouviu o assobio das avestruzes, pastando.
Ouviu, e fura daqui, fura dali, varou a cerca para dar fé, bem à sua vontade.
Entre a roça e um braço de banhado, que havia, formava-se uma rinconada mui boa para volteada: e foi nisso que o guri pensou. As avestruzes seriam umas oito e uma tropilha de filhotes, já emplumaditos.
Não se conteve, o miúdo: pulou para o lado de fora, perto da bandada, e já correu sobre ela, de braços abertos, aos pulos, aos gritos: os bichos se arrolharam, assustados, mas logo o macho do bando ponteou para o rincão e tudo acompanhou.
Era o que o guri esperava mesmo; ele queria, de por força, pegar uma, viva; mas só laçando...
Foi quando lhe coriscou na idéia bancar-se no bagual picaço, do velho...
Se estava tão delgado e lindo.., aquilo seria só amagar o corpo, chupar no beiço e rebolear o laço... Nem era tento! Num — vá! — era avestruz a cabresto!
  E correndo para o galpão, enfrenou o pingo, atirou-lhe um pelego no lombo, passou a mão no seu lacito e se foi a arriba!
Espiou para os lados e mui de manso, a passo, saiu, sobre a cacimba, a encobrir-se numa reboleira de chorões, que fazia uma sombra fresca, onde as galinhas se rebolcavam, arrepiando as penas, assoleadas.
Mas tudo isto levou seu tempo, de maneira que quando ele chegou ao rincão já as avestruzes haviam-se atirado no banhado e bandeado; apenas, por descuidada ou mais esfomeada, apenas uma se deixou ficar e agora não atinava com a passagem, e quando o Binga, gineteando, deu em cima dela, então é que o bicho ficou mesmo
atarantado, e começou a gambetear zonzo, na enrascada.
  O  guri se esqueceu do mundo!
Tocava o picaço em cima do nhandu e atirava o laço… o bicho negaceava, e o laçador errava o tiro... E vá outro, e outro... mas errando sempre, só de apurado!
Mas nisto o nhandu deu com a boca do rincão, viu o campo largo, e fazendo umas gambetas fortes, esparramando as asas, por fim aprumou o corpo e cravou a unha, num trotão galopeado, de comer quadras!...
Mas o rapazinho estava encanzinado: levantou o picaço no freio e bateu de trás!
Amigo! Que disparada! Por tacuruzais e buracama de tuco-tuco, por cima das panelas de caranguejo, por lançantes de coxilhas e moles das canhadas, salvando sangas e arrancando no barral das lagoas, tudo era várzea lisa para aquela alminha de gaúcho! 
Despistada pela perseguição, a avestruz corria à toa. Corria. Depois foi mermando; e foi afrouxando, até que se enredou numas macegas e caiu numa cova de touro. E conforme caiu, já o guri estava-lhe em cima, atracado com ela, passando-lhe o laço, maneando-a, vencedor, afinal!
  E respirou, aliviado; olhou o campo, silencioso, viu a casa lá longe, branqueando no verde do arvoredo.
Como diabo ia ele levar a caça, aquela?... E quando estava botando as suas contas, o nhandu deu em patear, a se revirar todo e mal apanhou livre uma perna, priscou e se foi a la cria, deixando o caçador no ora-veja!...
Aí o Binga fez um jeito de choro de raiva, e mui desconsolado montou de novamente.
E voltou para casa, a passo, porque o picaço vinha meio estaqueado, de quartos duros.
Com mil cuidados, aproveitando ainda a hora da sesta tornou a meter o flete no galpão e mui concho da sua vida foi para dentro, pedir à mãe — uma santa senhora, aquela dona! — pedir uma tigela de coalhada, pra refrescar.
Na manhã seguinte o picaço apareceu esticado na estrebaria: derreteu a graxa dos rins; morreu arreganhado.
O velho ficou buzina!... Quem foi, quem não foi...; afinal o próprio Binga, meio de orelha murcha mas decidido, relatou a criançada, tintim por tintim.
Aí o velho andou mal… ali no mais, à vista da peonada, quis sovar o filho… e quando o guri viu o rabo-de-tatu no ar... quebrou o corpo, disparou e de vereda encarapitou-se num matungo que estava de piquete, encilhado, e abriu campo fora, sem rumo certo, ao deus-dará... Debalde o velho gritou-lhe — Pára aí, menino! Pára aí, menino!
Qual! No peito do gauchinho não cabia a vergonha daquele guascaço do rabo-de-tatu, que caía-lhe em cima, se ele não foge...
A sia-dona não viu nada deste passo; andava lá pra dentro, nos seus arranjos.
Passou o tempo.
Nunca mais houve notícias do menino.
Campeou-se pelo vizindário, saíram chasques a vários rumos e... nada!
O velho foi descuidando das lavouras; já não ia ao rodeio nem montava a cavalo; nas marcações ficava na porteira da mangueira, calado; pitava muito e passava os dias passeando na quinta, na rua das laranjeiras, de chapéu nos olhos e de mãos atrás das costas.
A peonada já nem podia arranhar nas violas, porque o velho se enquizilava e mandava logo um piazito dizer lá fora que não queria bochinchadas em casa.
Outras vezes dava-lhe para arranjar alguma trança prendia a lonca e começava a tirar os tentos... e de repente parava, suspirava… e torcia a mão, cortando ou fazendo entradas no couro, e afinal picava tudo e não fazia nada, nem um botão, nem um passador qualquer, de cacaracá...
Ou ficava horas e horas, com os olhos perdidos naqueles descampados... olhando, olhando sempre, mas sem ver nada... nem as pontas de gado nem os mesmos andantes, que às vezes chegavam, pedindo pousada...
A velhita, essa, então, dava lástima a gente se fixar nela...
Não se riu, nunca mais, aquela senhora-dona. Chorar eu não vi: mas devia de chorar muito, porque quando vinha pra mesa servir os hospes, trazia sempre os olhos vermelhos e algo inchados.
Ajuntou num canto da sala todas as cousas do Binga; os aperos, o laço: umas tamanquinhas já gastas; um carretão de brinquedos, enfiadas de ovos, uma chuspa cheia de pelotas de barro, argolas e ossinhos de mocotós; enfim não sei quantas mais bobages de criança.., mas que tocavam no coração quando a gente pensava que o doninho andava por esse mundo, de gaudério e teatino... como cachorro chimarrão, comendo de esmola algum
soquete ordinário e tinindo de frio, sem ao menos um bichará esburacado...
E sempre buenaça; mal chegava um andante, mandava logo um piá levar-lhe um mate, e ainda, à noite, água para os pés; e de manhã, quando a gente ia agradecer a pousada, lá vinha um naco de queijo ou meia vara de lingüiça, para fiambre, e outro amargo, pra o estribo... 
  Quem sabia do caso até nem falava nele… era tão penaroso o sofrer daqueles velhos, que não diziam nada, que a gente entendia tudo...
E não havia hospe que tivesse comido daquela mesa ou dormido naquele teto, que não desejasse ser ele que pudesse um dia topar o guri desguaritado e trazê-lo, para o colo que esperava sempre e que rezava sempre ao Nosso Senhor Jesus-Cristo, que, sendo Deus, morreu perto da sua mãe...
  A velhita finou-se primeiro, e de pura pena foi por certo.
O vizindário em peso acudiu ao velório; o enterro se fez na vila.
Pois desde a estância até o cemitério — umas quantas léguas — o caixão veio sempre à mão. Mas não pesava nada. Também — pobrezinha! — que pecados podia ela ter?...
E quando foi a hora de o corpo cair na cova, que cada um atirou um punhado de terra, e que as crianças quase todas suas afilhadas — e as mulheres desataram num pranto de choro e até o coveiro se entreparou atristado, aí vi mais de um gaúcho colmilhudo manoteando nas lágrimas que dos olhos lhes caíam, grandes e claras, como as gotas d’água que caem do cartucho dos caetés...
  Meses depois o velho seguiu o mesmo caminho de nós todos; mas antes de morrer, engambelado por um padre gringo que apareceu aqui pelos pagos, lá fez uns papéis… e papéis foram que tudo o que era dele passou para missas e outros engrólios que ninguém sabia o que eram. Nem um tambeiro saiu para um afilhado!…
Os parentes meteram demanda… foi um arranca-rabo que durou anos...
E enquanto isso... vancê sabe o que é casa sem dono!...
O Binga... quem sabe lá. o que foi feito dele, por esse mundo de Deus, tão grande!...
  Cuê-pucha!... Eu desejava que ele aparecesse, só por causa do padre gringo!... Que sumanta o guri lhe não havia de encostar!...
E... por Deus e um patacão!... Eu dava as guascas e ainda ajudava a atar!...
Ora se não!..